Foi com esta imagem que eu sonhei na madrugada da passada sexta-feira. Acordei com a Mimi, a cadelinha da Lena que saltou para a minha cama e a Lena entrou no quarto atrás dela, a tentar que ela não me acordasse. Com os olhos ainda entreabertos disse à Lena que tinha sonhado com Nossa Senhora.
-"A Nossa Senhora apareceu-te no sonho, queres tu dizer."
Sim,, mas foi um bocado estranho. Porque era uma Nossa Senhora numa espécie de gruta, daquelas que parecem no meio de grandes rochas cor de barro. Parecia ser na Jordânia. A Nossa Senhora tinha uma tez mais escura do que o normal e um coração cor de laranja em luz, como se fosse o sagrado coração de Jesus.
-"O sagrado coração de Maria.", respondeu a Lena.
A imagem tinha-me aparecido duas vezes durante o sonho. Porque é que associei à Jordânia, não sei, porque nunca estive na Jordânia nem nunca tinha visto esta imagem antes. E nesse mesmo dia em conversa com a Alexandra, disse-lhe que se calhar até era uma imagem de Israel, que teria mais lógica, e não sabia por que associava à Jordânia. Por isso foi com muita surpresa que agora constatei que esta imagem de facto existe, e precisamente na Jordânia. E está a associada a um milagre. Segundo a freira que cuida desta imagem, um dia em que abriu a porta de vidro fechada à chave para limpar a imagem, escorriam dos olhos da Virgem lágrimas de sangue, que por análise foram confirmadas como sendo de sangue humano.
Já mais acordada, durante o pequeno almoço falei nisso várias vezes. O sonho tinha-me deixado muito impressionada porque a imagem era muito vívida. Nem eu sabia ainda o porquê de ter acontecido.
Nesse mesmo dia, sexta feira, o meu filho teve uma consulta no IPO que o informou da suspeita de um tumor. Só saberemos resultado dos exames no início de Maio. Fiquei arrasada. Senti uma tristeza que foi tomando conta de mim de forma galopante. A Lena abraçou-me e incitou-me a chorar tudo o que ainda pudesse estar guardado. Todo o medo e toda a tristeza. E eu não sabia que era tanta. Não sabia que tinha tanta coisa dentro de mim. Chorei as profundezas e as entranhas. E começamos a sentir a presença de Nossa Senhora. A Lena pedia-me para passar toda a minha dor para ela, porque Nossa Senhora é que a estava a receber. A presença de Nossa Senhora estava a absorver toda a minha dor, que eu passava para a Lena, e por sua vez a Lena passava para Ela. Foi o abraço mais milagroso que eu senti na minha vida.
Nossa Senhora disse à Lena que me tinha aparecido no sonho e estava ali presente, porque a minha prova, tal como a da Lena, estava relacionada com o calvário d'Ela, Nossa Senhora, e do Seu filho, Jesus. Tal como Ela, nós vivíamos a maior dor de uma Mãe: a de assistir ao sofrimento do seu filho, e o maior medo: o de o perder.
Também é verdade que a dor, quando aceite, se transforma. E é nela que acontecem os maiores "milagres". Como este abraço da Lena. Senti o seu amor incondicional. E senti que não conhecia mais ninguém capaz de abraçar assim. Não conhecia mais ninguém que tivesse perdido um filho e que ao mesmo tempo acreditasse em tudo o que eu acredito. Que acreditasse no mesmo Jesus que eu. No mesmo Deus que eu. Que tivesse quase o mesmo percurso que eu. Que tivesse a mesma actividade que eu. E essa pessoa é uma das minhas maiores amigas, vive comigo, e estava ali comigo, naquele momento. A dar-me o abraço com mais amor do Mundo.
Acredito que precisemos de passar por tudo o que passamos para nos tornarmos capazes de amar dessa maneira.
Nada é em vão e não há nada pelo os nosso filhos passem que não precisem de passar. Para também eles se transformarem.
Depois do telefonema resolvi vir imediatamente para o Porto. E no comboio, já a meio da viagem interroguei-me porque é que não tinha ainda sentido a presença, a energia de Jesus, num momento tão difícil como este. Seria por me sentir tão agitada?
"Estou aqui sentado ao teu lado."
Realmente o lugar ao meu lado era o único vago, o comboio ia cheio. Senti que tinha a mão d'Ele sobre a minha.
"Quando chegares lá vais pousar as tuas asas sobre o corpo dele. E eu estarei convosco."
A reacção de surpresa e alegria do Zé Miguel quando me viu fez-me agradecer em silêncio a sugestão da Lena que me aconselhou a não lhe dizer que ia e fazer-lhe uma surpresa.
Nesse mesmo dia, voltei a cair num choro profundo. Que era ao mesmo tempo de dor pelo que estava a acontecer, e de dor por precisar de passar por essa dor, para evoluir. Pode evoluir-se sem dor e sem sofrimento. Pode. Mas isso ainda não estará ao meu alcance. E depois questionava-me: mas porque é que estou a achar que é mau passar por esta dor, se eu acredito que nada é bom, nem nada é mau? Ainda no último texto disse isso. E é algo em que eu acredito mesmo. Então esta dor não é má. É simplesmente dor. Se me rendo a ela transformo-a. E deixo de sentir que não consigo respirar. Às vezes até sinto o contrário, que é só isso que consigo fazer: respirar. E que não consigo fazer mais nada, nem pensar, nem andar, nem coisa nenhuma. E dor tanto se transformo quando nos rendemos a ela, que no meio do choro Jesus puxou-me para um nível de energia branca e cristalina. Um nível onde sentia uma paz absoluta. A paz da aceitação. E mais uma vez comprovei a teoria de que, independentemente do que nos estiver a acontecer, podemos estar em paz. E Jesus perguntou-me o que é que eu queria pedir. Pedi para me encontrar com a alma do meu filho.
E disse-lhe que me rendia à escolha dele, fosse ela qual fosse. Que aceitava tudo o que a alma dele escolhesse. Que em todo este processo tinha aprendido a amá-lo, creio que incondicionalmente, e tinha conhecido a incrível beleza da alma dele. E que lá em baixo na Terra estaria também incondicionalmente ao lado dele, a apoiá-lo sempre e em tudo, e a canalizar para ele toda a energia de cura que estivesse ao meu alcance. Que se ele pudesse escolher a cura ficaria muito feliz, principalmente por ele, mas que o meu amor seria incondicional. Por último perguntei a Jesus se Lhe podia fazer outro pedido. E voltei a pedir o que Lhe peço todos os dias quando limpo o meu filho à distância: que tome conta do meu filho, que cuide dele e o proteja, porque Lho entrego. Que confio nisso, mesmo quando tudo corre de forma contrária à que eu gostaria. E que quando assim é, sei que há um motivo superior para que assim seja.
E Jesus perguntou-me: "Sabes porque é que vocês chegaram a este nível de entendimento e de amor? Porque limparam grande parte do vosso karma."
E tiramos esta fotografia.
Quando a publiquei, a minha prima Cristina, do Brasil, comentou que estavamos lindos e a curtir a vida. Nem ela imaginava o que se estava a passar.
Não estavamos a rir só para a foto, não. Não estavamos a disfarçar. Estavamos a rir porque estavamos juntos e porque naquele preciso momento estavamos felizes por isso.