sábado, 13 de novembro de 2010

A HISTÓRIA DO FÁBIO

No último texto disse que havia de contar a história da mãe do Fábio, e do Fábio.

O Fábio tinha 18 anos e andava a ser tratado no IPO desde os 10.

Conheci-o no dia em que foram lá as Justgirls, precisamente para cantarem para ele no dia no seu 18º aniversário. O Zé até tem uma foto com elas. A Acreditar é que organizou essa surpresa ao Fábio. Ele estava de cadeira de rodas e já bastante deformado.

Mais tarde soube que o estado dele se estava a agravar bastante, e houve fases em que lhe davam alta mas ele tinha que se deslocar ao IPO diariamente para receber tratamento e já ficava numa sala especial, não vinha para a enfermaria.

Quando eram dias de fim de semana tinha que receber o tratamento no piso de internamento. Num desses dias o Zé também estava a receber tratamento ambulatório. Porque sempre que ficava em isolamento, mesmo depois de ter alta tinha que ir uns dias seguidos tomar o resto do antibiótico por via intravenosa, até acabar. E estavamos na sala de espera do piso de internamento, à espera que chamassem. Foi quando vi o Fábio a passar no corredor, de cadeira de rodas, que a mãe empurrava. Estavam de saída e iam para o elevador. Poucos minutos depois vi-o em sentido contrário, a mãe a empurrar a cadeira a correr e ele todo caído na cadeira...pensei que ele tinha morrido naquele momento...Fiquei a tremer.

Minutos depois chamaram o Zé para um quarto onde lhe iam administrar o tratamento e quando entramos estava o Fábio deitado numa cama, completamente branco, de um branco inexplicável...Estavam a tentar que recuperasse os sentidos...a assim que conseguiram tentaram também voltar a sentá-lo na cadeira de rodas para que pudesse ir embora. Mas assim que o sentavam ele desmaiava outra vez...e foram assim alguma vezes seguidas...Uma dor de alma...O Zé a observar tudo, muito assustado, claro. E eu talvez mais assustada ainda...Falei com a mãe e ofereci-me para ajudar no que fosse preciso. A mãe estava esgotada, disse-me que já não sabia se preferia que ele tivesse alta, ou ficasse internado, porque tinham que vir na mesma para o IPO todos os dias e tinham que vir de táxi, lá de uma terra depois de Gaia, porque o marido não os podia trazer sempre, porque tinha de trabalhar.

Passadas algumas semanas, ou meses, poucos em todo o caso, um dia ao jantar, estou sózinha na mesa, como habitualmente, e a mãe do Fábio, que sempre se sentava com as outras mães, na tal mesa grande, pergunta-me se se pode sentar na minha mesa.

Disse que claro que sim. No fim da refeição perguntei como estava o filho. Ela disse que muito mal e que tinha sido internado nesse dia. Soube depois que foi para o quarto onde estava o Zé, um dos dois quartos previligiados, oferecidos por um clube qualquer, espécie de Rotary, e que eram os mais modernos, maiores e individuais, só para um menino e o seu acompanhante. Sempre que possível, reparava que punham o Zé num desses quartos. O que para nós era uma espécie de alegria.

E nesse dia, a meio da tarde, perguntaram-nos se não nos importavamos de mudar de quarto porque precisavam dele para um caso grave.

Estava a saber, pela mãe do Fábio, que tinha sido para ele.

Estavamos então no fim do jantar, e a mãe pergunta-me se eu não me importo de ir ver o Fábio. Fiquei surpreendida. Tinha a certeza que ela não sabia o que eu fazia. À execepção de duas mães, a quem tinha contado, por força das circunstâncias (ou seja, ambas me tinham perguntado se eu conhecia os livros da Alexandra Solnado) não tinha contado a mais ninguém no IPO e também quase que tenho a certeza que elas não contaram a nenhuma outra mãe.

Por isso, foi com muita surpresa que ouvi o pedido da mãe do Fábio. Com excepção daquele dia em que me ofereci para ajudar, se fosse preciso, nunca tinha falado com ela.

Disse que o visitaria com todo o gosto, e acompanhei-a ao quarto.

Fiquei em choque assim que entrei. O Fábio não devia pesar mais de 30 quilos, estava de um branco ainda mais indescritível, e os olhos estavam constantemente a revirarem-se completamente. Não falava, não sei se ouvia.

Naquele momento não me importei com o que a mãe pudesse pensar, e comecei a falar para ele e com a alma dele. Expliquei-lhe como se deixar ir para a Luz, e tentei que qualquer medo que ele pudesse ter fosse dissipado. Já o tinha tratado energéticamente à distância muitas vezes, por minha iniciativa e sem que ninguem soubesse, e acredito que foi por isso que de uma forma inconsciente (e digo inconsciente porque a senhora não sabia de certeza, em consciência, porque é que me estava a pedir para visitar o filho) dizia eu com certeza que foi por isso que a mãe dele me pediu para o ir visitar. Sem que nada o fizesse prever.

A mãe manteve-se calada o tempo todo e no fim teve uma conversa de circunstância sobre os pijamas... Ainda falei um bocadinho com ela mas não tenho a certeza de como ela entendeu o que lhe tentei explicar. Tentei mais que ficasse confortada, dentro do que é possível num caso destes.

Pouco tempo depois o Fábio partiu.

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

A MÃE DO ÂNGELO

Ainda hoje falei numa senhora que conheci no IPO. E vou contar a estória.

Ela era (e é, espero...) mãe de um menino que estava lá a receber tratamento.

Costumava vê-la e sobretudo ouvi-la, na sala de espera para as consultas. E ela falava tanto e tão alto que era impossível não reparar nela. Via-se que se dava bem com muitas das mães mas eu mantinha-me sempre um bocado à parte.

Embora os nossos filhos estivessem na mesma situação, eu normalmente não tinha muito tema de conversa com as outras mães, por incrível que possa parecer. E até ao jantar, que era no restaurante do IPO, e que ao jantar abria só para os pais dos meninos internados, eu sentava-me numa mesa sozinha enquanto as outra mães se juntavam todas numa grande mesa. Quando eram os maridos que lá estavam eles também se costumavam sentar à parte.

Às vezes uma ou outra mãe perguntava-me se podia sentar-se na minha mesa e eu concordava, claro. E a propósito hei-de contar aqui a história da mãe do Fábio, e do Fábio.

Mas voltando aquela mãe, de quem eu não me consigo lembrar do nome, infelizmente, e que num dia, ao entrarmos para o internamento, se dirige a nós, mais propriamente ao meu filho, e diz que nós vamos ficar no quarto do filho dela. Cada quarto tem duas camas para os meninos e outra duas camas, desmontáveis, para os acompanhantes, que são, na maioria dos casos, as mães.

Não fiquei muito satisfeita com a perspectiva de ficar no mesmo quarto, confesso. Aliás era sempre um motivo de ansiedade, saber com quem íamos partilhar o quarto. Podia fazer muita diferença em relação ao que se ia passar nos dias seguintes. E ficar com esta mãe fez-me logo pensar que não ia ter grande descanso se ela falasse tanto e tão alto como eu costumava observar. Ou seja, julguei-a de imediato. E levei com o retorno disso.

Porque na verdade, ela foi das melhores, ou melhor companhia de quarto que tive...

Era uma pessoa absolutamente pura e ingénua. Confiou em mim como se eu a conhecesse desde sempre. O filho dela, com cerca de 12 anos, creio eu, não reagia muito bem à presença dela e estava sempre a pedir-lhe para ela ir dar uma volta...e quando ela voltava, ele perguntava: "já?!" E isso deixava-a a morrer...é que ela nem sequer era chata com ele, apercebi-me que ela até era muito compreensiva e que o respeitava muito. E então ela desabafava comigo...como tinha "inveja" da minha relação com o meu filho...de como gostava que o filho a deixasse abraça-lo e beija-lo como o meu fazia...

E daí nasceu uma amizade. Não havia enfermeira e médico que não entrasse no quarto a quem ela não perguntasse imediatamente, antes de qualquer outra coisa: "Já viu com quem fiquei no quarto? Já viu a sorte que tive em ficar com esta mãe? Não podia ter melhor companhia. Nunca tive tanta sorte!" E de cada vez que ouvia isto (e foram mesmo muitas vezes, acreditem) o meu coração ficava pequenino...porque me lembrava do que juízo que tinha feito dela, no início. Ficava ainda mais embaraçada quando a ouvia dizer isto a outras mães, ainda por cima algumas já tinham partilhado o quarto com ela, e ela apressava-se a pedir-lhes desculpa, que também tinha gostado muito delas, mas que realmente eu era uma companhia espectacular...

Acho que nunca tinha recebido tantos elogios em tão pouco tempo...

Uma noite, acho que na segunda, ela estava ao telefone com o marido e mais uma vez lhe estava a contar a sorte que tinha em estar comigo e ele mandou-me um abraço...então ela posou o telefone e veio dar-me o abraço...o abraço que o marido tinha mandado...achei delicioso...

E nunca mais a esqueci. Ficou gravada no meu coração. E muitas vezes pedi desculpa à alma dela pelo julgamento que tinha feito dela. Mas a vida encarregou-se de me dar uma grande lição ao mostrar-me muito rápidamente que eu tinha feito um julgamento, e um julgamento completamente errado.