quinta-feira, 31 de maio de 2012

FIDELIDADE

Ontem voltaram a perguntar-me porque é que não tenho escrito. Não com a mesma assiduidade com que o fazia. Já me dei muitas desculpas: o cansaço das mudanças, a adaptação à nova vida. Mas há pouco, ao acordar, resolvi perguntar-Lhe.

"Por causa da tua fidelidade. O teu compromisso é comigo. Nunca escreveste para os outros e por isso por mais tempo que passe, por mais histórias que tenhas para contar, não as publicas enquanto não sentes que seja para o fazer."

Tão simples. É que é isso mesmo. Por mais histórias que tenha para contar, que até tenho, não o faço enquanto não sentir que é para o fazer. Até já fiz algumas tentativas. Comecei a escrever textos, mas acabei por guardar. Não eram para publicar. Não percebi bem porquê, mas também não questionei, é verdade. Confio sempre que no momento certo vou saber.

No fundo a resposta de hoje surpreendeu-me pela sua simplicidade. Até já tinha dado por mim a fazer filmes. A pensar em bloqueios. E na verdade a resposta não invalida que haja bloqueios. Mas pelo menos percebi que estou a respeitar o que sinto. Que me estou a manter fiel.

E a fidelidade é uma questão que há pouco tempo me fez sorrir. Quando percebi que nunca fui infiel. Em termos espirituais a fidelidade tem muito que se lhe diga. Mas no sentido comum do termo, realmente nunca fui infiel. E o que me fez sorrir, foi ter feito as contas ao número de anos que namorei e estive casada com o meu ex-marido sem nunca ter sido infiel. Ao todo 20 anos. Não sei se isso é bom ou se é mau, mas é a verdade.

Mas se sempre fui fiel aos outros, a fidelidade comigo própria já é outra questão. Só agora é que tenho conseguido.

Quanto à fidelidade com os outros acho que é inata. Sou e sempre fui fiel sem esforço nenhum. Fiel aos compromissos, à amizade (deve ser um dos motivos que tenho muitos amigos de toda a vida), às palavras. Talvez porque uma das minhas dores mais profundas, uma dor da minha alma, é a traição dos outros. Em especial a traição de me dizerem uma coisa e fazerem outra. A traição de não me dizerem a verdade. Não há verdade que doa tanto como a mentira. A Alexandra até costuma dizer que a traição não existe, o que existe é a mentira. Vendo bem, é isso. O que mais me dói é a mentira. Sobretudo a mentira da promessa. Prometerem-me o que sabem que não podem ou querem cumprir.

Agora estou a pensar que com excepção da doença do meu filho, as experiências mais violentas que tive na vida foram causadas por mentiras.

Já fui acusada de mentira e traição por familiares que eram como meus pais e meus irmãos. Talvez a mais falsa e pior acusação que me pudessem fazer. Naquele momento algo morreu em mim. E foi como se eles tivessem morrido também. E foi a primeira vez que tive que lidar com uma das mortes mais dolorosas. A morte de quem está vivo.

E porque é que atraí isto nesta vida?

Porque em vidas passadas já fiz o mesmo. Já traí, menti e acusei injustamente. E noutras vidas fizeram-me o mesmo, com isso provocaram a minha morte, e eu não aceitei essa dor. Venho passar por ela outra vez e as vezes que forem necessárias até a aceitar. Tenho tentado. Embora às vezes sinta como se fosse morrer outra vez, de tanta dor. Porque é uma dor de morte. Uma dor que já me levou à morte, muitas vezes.

quinta-feira, 24 de maio de 2012

quarta-feira, 16 de maio de 2012

A LINDA SOFIA

És o Zé Miguel, não és?

Sou.

Não me estás a reconhecer?... Imagina-me sem cabelo...

O Zé Miguel não tinha reconhecido logo a Sofia. Uma rapariga linda, lindíssima, que esteve lá no IPO na mesma altura. Mais velha do que ele um ou dois anos. Saber se ela estava no internamento ou não era logo uma preocupação do Zé Miguel quando chegavamos.

Reencontraram-se agora nas noitadas da Queima das Fitas.

A mãe igualmente era igualmente linda. Conversavamos muitas vezes. Angustiei-me muito com cada complicação que surgia à filha na sequência das operações. Estudava para exames. Não sei como conseguia. Estar em isolamento e estudar para exames. Para mim era de doidos. Na verdade era uma forma de fugir ao que doía.

Tanto estava lá a mãe como o pai. O pai normalmente estava com a madrasta, que a Sofia adorava. E pai e mãe, apesar de separados encontravam-se e conviviam. Independentemente da forma como se dessem, estas situações têm destas coisas. As pessoas vêm-se em situações impensáveis e tudo se enfrenta e tudo se relativiza. Afinal nada tem a importância que nós lhe damos.

terça-feira, 15 de maio de 2012

VIVÊNCIAS DE UM MÉDICO ONCOLOGISTA PEDIÁTRICO, de Armando Pinto

De manhã muito cedo tive que ir ao IPO (assunto de rotina). Ao passar à frente da papelaria que há lá dentro, reparei numa publicidade afixada na montra ao livro do Dr. Armando Pinto - "Vivências de um médico oncologista pediátrico". Entrei para o comprar. O Dr. Armando, não sendo o médico do Zé Miguel, atendeu-o muitas vezes. Lembro-me muito bem do esforço que fazia para conseguir dar alta ao Zé o mais rápido possível sempre que ele estava internado. Principalmente quando estava em isolamento. Chegava a surpreender-se com a reacção tão efusiva do Zé. E riamo-nos todos.

Ainda nos corredores do IPO comecei a folhear contagiada pela perspectiva dos médicos sobre o que acontece aos nossos filhos. Meti o livro na carteira à espera de poder aproveitar todas as oportunidades de o continuar a ler. Mas só pude voltar a pegar-lhe à noite quando estava na fila do supermercado.

E só então li parte da dedicatória:

"Dedico este livro
Às Mães
Que me deslumbram
Na minha vida profissional"

E mesmo ali, as lágrimas caíram-me...


Foto que tirei hoje. Lá ao fundo vêem-se as janelas dos quartos onde o meu filho e eu ficamos durante um ano.



Hoje está assim. (Tirei-lhe esta fotografia no Domimgo passado)

quarta-feira, 9 de maio de 2012

A NOVA CASA E A NOVA VIDA

"Finalmente estás a viver numa casa onde vês o rio e o mar. Onde vês ao fundo a união da água com o céu."

Sentada em frente à janela com vista para o Tejo e para o Atlântico, sentia-O ao meu lado, como se estivesse também a apreciar a paisagem.

Tudo acontece na hora certa. Nem antes, nem depois.

Não tinha pensado mudar de casa. Foi uma proposta d'Ele. Propôs-nos aos três em simultâneo. A mim, à Lena e ao Rui. Uma nova fase de vida. De partilha. Por diferentes motivos, os três precisavamos de viver juntos nesta casa. Pequena mas linda. Com uma vista mais bonita ainda. À direita vemos o Bugio. À esquerda o Cristo Rei.

Quando chegamos não imaginavamos que tudo seria tão encantador. Desde a paisagem até à casa em si. É uma casa com alma. Todo o prédio tem alma.

Agora sei que estou exactamente onde preciso de estar. É o início de uma aventura. Tal como se estivesse a partir numa caravela rumo a mares desconhecidos.

E estas são as vistas que temos a partir das janelas da "nossa alegre casinha":