quarta-feira, 10 de novembro de 2010

A MÃE DO ÂNGELO

Ainda hoje falei numa senhora que conheci no IPO. E vou contar a estória.

Ela era (e é, espero...) mãe de um menino que estava lá a receber tratamento.

Costumava vê-la e sobretudo ouvi-la, na sala de espera para as consultas. E ela falava tanto e tão alto que era impossível não reparar nela. Via-se que se dava bem com muitas das mães mas eu mantinha-me sempre um bocado à parte.

Embora os nossos filhos estivessem na mesma situação, eu normalmente não tinha muito tema de conversa com as outras mães, por incrível que possa parecer. E até ao jantar, que era no restaurante do IPO, e que ao jantar abria só para os pais dos meninos internados, eu sentava-me numa mesa sozinha enquanto as outra mães se juntavam todas numa grande mesa. Quando eram os maridos que lá estavam eles também se costumavam sentar à parte.

Às vezes uma ou outra mãe perguntava-me se podia sentar-se na minha mesa e eu concordava, claro. E a propósito hei-de contar aqui a história da mãe do Fábio, e do Fábio.

Mas voltando aquela mãe, de quem eu não me consigo lembrar do nome, infelizmente, e que num dia, ao entrarmos para o internamento, se dirige a nós, mais propriamente ao meu filho, e diz que nós vamos ficar no quarto do filho dela. Cada quarto tem duas camas para os meninos e outra duas camas, desmontáveis, para os acompanhantes, que são, na maioria dos casos, as mães.

Não fiquei muito satisfeita com a perspectiva de ficar no mesmo quarto, confesso. Aliás era sempre um motivo de ansiedade, saber com quem íamos partilhar o quarto. Podia fazer muita diferença em relação ao que se ia passar nos dias seguintes. E ficar com esta mãe fez-me logo pensar que não ia ter grande descanso se ela falasse tanto e tão alto como eu costumava observar. Ou seja, julguei-a de imediato. E levei com o retorno disso.

Porque na verdade, ela foi das melhores, ou melhor companhia de quarto que tive...

Era uma pessoa absolutamente pura e ingénua. Confiou em mim como se eu a conhecesse desde sempre. O filho dela, com cerca de 12 anos, creio eu, não reagia muito bem à presença dela e estava sempre a pedir-lhe para ela ir dar uma volta...e quando ela voltava, ele perguntava: "já?!" E isso deixava-a a morrer...é que ela nem sequer era chata com ele, apercebi-me que ela até era muito compreensiva e que o respeitava muito. E então ela desabafava comigo...como tinha "inveja" da minha relação com o meu filho...de como gostava que o filho a deixasse abraça-lo e beija-lo como o meu fazia...

E daí nasceu uma amizade. Não havia enfermeira e médico que não entrasse no quarto a quem ela não perguntasse imediatamente, antes de qualquer outra coisa: "Já viu com quem fiquei no quarto? Já viu a sorte que tive em ficar com esta mãe? Não podia ter melhor companhia. Nunca tive tanta sorte!" E de cada vez que ouvia isto (e foram mesmo muitas vezes, acreditem) o meu coração ficava pequenino...porque me lembrava do que juízo que tinha feito dela, no início. Ficava ainda mais embaraçada quando a ouvia dizer isto a outras mães, ainda por cima algumas já tinham partilhado o quarto com ela, e ela apressava-se a pedir-lhes desculpa, que também tinha gostado muito delas, mas que realmente eu era uma companhia espectacular...

Acho que nunca tinha recebido tantos elogios em tão pouco tempo...

Uma noite, acho que na segunda, ela estava ao telefone com o marido e mais uma vez lhe estava a contar a sorte que tinha em estar comigo e ele mandou-me um abraço...então ela posou o telefone e veio dar-me o abraço...o abraço que o marido tinha mandado...achei delicioso...

E nunca mais a esqueci. Ficou gravada no meu coração. E muitas vezes pedi desculpa à alma dela pelo julgamento que tinha feito dela. Mas a vida encarregou-se de me dar uma grande lição ao mostrar-me muito rápidamente que eu tinha feito um julgamento, e um julgamento completamente errado.

1 comentário:

Chalezinha disse...

:'):')
Que lindo ser os céus puseram ao pé de vós!
Acredito que o menino dela, talvez tenha visto como é bom o abraço e o mimo da nossa mãe. Quem sabe?!?!
Até posso parecer insane com o que vou dizer, mas também já me aconteceu muitas vezes mais do aceitável julgar as pessoas e sair-me o tiro pela culatra. Mas a dor que se sente em julgar alguém que se vem a ver que é um ser delicioso faz-me preferir sem qualquer dúvida que o inverso seja o mais frequente.
Linda esta partilha,e amei o abraço que ela foi entregar.
Sandra