segunda-feira, 9 de julho de 2012

2º DIA

- "Obrigada por toda a sua atenção, Sr. Joaquim."

Foi assim que me despedi hoje, ao fim do dia, do companheiro de quarto do meu filho.

De manhã quando entrei e me pareceu que estavam os dois a dormir mantive-me em silêncio a olhar para a palidez do meu filho. De repente o Sr. Joaquim levanta a cabeça, e diz-me:

-"O filho da senhora tem passado muito mal. As enfermeiras têm andado todas de volta dele."

Já ontem quando saí, tinham ficado quatro à volta da cama dele.

Disse-me o meu filho mais tarde, que o próprio Sr. Joaquim, além de chamar as enfermeiras, se tinha levantado da cama dele, com as duas canadianas, para vir ajudá-lo. Porque quase desmaiou por várias vezes.

O Sr. Joaquim, com cerca de 60 anos, foi operado a uma rótula e já é a quinta vez que é internado neste hospital. O que mais me surpreende nele são os seus óculos, super modernos. Modernos, e de bom gosto. Como nunca vi nenhuns. E que contrastam com a sua forma de falar. Contou da operação de alguem à "tirone" e ao "estomo". Diz uma palavra, um palavrão. Mas gosta-se dele. É atencioso e boa gente. Ele e o meu filho já combinaram jogar às cartas e amanhã até vou levar um baralho. Dizem que faltam dois parceiros para jogar à sueca e que vão ter que convidar duas enfermeiras...

Só estão o Zé Miguel e o Sr. Joaquim, embora seja uma "sala" de quatro camas. Ontem esteve também um menino de 14 anos. Entrou para o quarto ao mesmo tempo que o Zé Miguel mas foi operado logo no início da tarde. Quando o via a sair para o bloco operatório é que percebi que ele práticamente não tinha mão esquerda, tinha só 3 dedos, que saiam pouco abaixo do cotovelo, e depois a mãe disse-me que na mão direita também só tinha três dedos. Quando nasceu o médico disse à mãe que era uma menina. Depois é que veio uma enfermeira dizer que era uma menino e que tinha uma mal formação grave nas mãos.

Quando o vi hoje a ser levado para o bloco senti-me tão impressionada e tocada que me dediquei logo a tratar da energia que envolvia toda a cirurgia. Percebi que a malformação dele estava em grande parte relacionada com uma vida passada com a que é hoje irmã dele. Uma menina linda de 6 anos, a quem ele tinha estado sempre agarrado enquanto esperava ser chamado e de quem é inseparável, pelo que a mãe me contou.

Sem ede nada, a mãe aproximou-se de mim para comentar que estava a achar estranho que a cirurgia estivesse a demorar tanto. Estava muito preocupada. Era a quinta operação desde que nasceu. E sem que eu lhe perguntasse, começou a contar-me tudo. Que o filho lhe pedia todos os dias uma irmã. Não era um irmão, era uma irmã. Queria muito, muito, uma irmã. Mas ela tinha decido não ter mais filhos com medo que nascesse com alguma malformação, como ele. Só soube que estava grávida da filha, aos cinco meses de gravidez, porque a continuação do período não a tinha levado a desconfiar de nada. (Como tudo acontece, quando tem que acontecer...) O parto teve que ser provocado aos sete meses por ter entrado em pré-eclâmpsia devido ao alto de grau de ansiedade sentido por medo que a bebé tivesse más formações. Felizmente a menina é "perfeita" e linda,(ressalvo: de acordo com o que para nós é perfeita, porque o irmão também é perfeito). E lindo porque quando a mãe dele me pediu para lhe levantar a cabeceira da cama olhei para ele vi uns olhos azuis lindos...ao ponto de exclamar: "Meus Deus, que olhos!"

Chegou uma enfermeira a dar a notícia que a operação dele correu melhor do que se esperava, que não tinha sido preciso fazer o enxerto de pele que estava previsto e que por isso ele poderia ir ontem mesmo para a casa. Foi a grande surpresa da mãe.

Despediu-se de mim com um beijinho. Tinhamos acabado de nos conhecer mas tinha-me contado grande parte da sua vida, e da sua profissão de camionista. Ela e o marido são condutores de longo curso e fazem as viagens juntos. Fiquei a saber imensas coisas interessantes sobre uma profissão que achei também muitíssimo interessante.

Como se foram embora, ficaram só o Zé Miguel e o Sr. Joaquim. Segundo ele prevê nos próximos dias entrará mais gente. O Hospital é pequenino e antigo, mas está remodelado e é muito cuidado. A sala deles fica num pequeno corredor, sossegado e virado para o jardim.

No período de almoço, enquanto esperava pela hora de poder voltar a entrar, fui dar uma volta pelas ruas de Riba de Ave, que como era Domingo e estava tudo fechado, me pareceu uma vila fantasma. Muito mais pequena do que eu imaginava. Ontem tinha perguntado a uma senhora da recepção onde era o centro da vila. Que centro?, perguntou ela. De facto não há. Tenho três horas no período de almoço, em que não são permitidas visitas, e nada para ver, nem sítio onde estar. Nenhum parque. Tem só a sombra das arvores aqui na capela ao lado, disse-me a tal senhora.

Mas tem esta rua, que achei linda:



Linda e calma. E hoje ao fim do dia, quando saí, também estava tudo calmo. O Zé estava melhor e mais tranquilo. Já tinha recuperado a cor e tinha menos dores. Comeu, pela primeira vez em 48 horas. O Sr. Joaquim ia ver "Pai à força", na televisão. E eu saí a correr, porque o segurança me veio dizer que as visitas tinham que sair. Amanhã volto.

2 comentários:

Pedro Quitério disse...

"Tudo acontece como tem de acontecer..."
Um internamento num hospital, ou melhor, uma repetição de internamento, não sei se é pior para o próprio do que para quem nos ama, para quem fica de fora.
Mas como dizes e bem, não há pior nem melhor.
Tem momentos altos, como esse que relatas, em que se pode fazer algo pelos outros...
Um grande abraço.
PQ

Lurdes JC disse...

Amiga quero deixar-te um grande abraço... O resto já falámos e logo tento falar novamente para saber como estás e como está o Zé Miguel que anseio conhecer...
As melhoras dele e linda fotografia aquela.
Quando li o texto também me deu vontade de ir jogar às cartas com eles...
Como adoro moda, como sabes adoro a Pam-poila fiquei curiosa como serão os óculos do Sr. Joaquim???
Bjinho grande
Lurdes Jóia