domingo, 31 de março de 2013

PÁSCOA

Acordei com os foguetes. Como sempre acordei no dia de Páscoa.

Levantei-me e enquanto tomava o pequeno almoço ouvia os sininhos do compasso. E a minha Mãe comentou: "O compasso anda aqui perto". Era desta forma que sabíamos que o compasso estava a chegar: pelo som dos sininhos que eles tocavama, o Padre e os senhores que o ajudavam, normalmente três ou quatro.

Já há muito anos que deixamos de receber o compasso. Acho que foi depois do divórcio dos meus pais. Por falar em divórcio, a minha Avó Bertina sempre teve um grande desgosto porque o compasso n~~o entrava em casa dela por ela e o meu Avô não serem casados pela Igreja, uma vez que o meu Avó era divorciado. Quando ex-mulher do meu Avô morreu casaram pela Igreja. Até foi estranho para mim, porque estava em casa deles nesse dia, e eles chegaram da Igreja, só os dois, e contaram que se tinham ido casar. Depois o Padre Zé, o Padre da paróquia, que até era muito amigo da minha Avó disse que já podia entrar lá o compasso, mas a minha Avó disse que já não queria. Teria gostado muito quando os filhos eram pequenos, porque ficavam muito tristes por verem que o compasso entrava em todas as casas menos na deles.

Cá em casa, depois do divórcio dos meus pais, de forma natural deixamos de estar aqui em casa e a passar o dia em casa dos Avós maternos, com os meus doze tios, entre irmãos e cunhados da minha Mãe, e os onze primos. Já era lá que almoçavamos sempre no dia de Páscoa, aliás todos os Domingos, mas até essa altura fazíamos sempre questão de receber o compasso em nossa casa e contagiavamos todos com o nosso entusiasmo e vinham também cá a casa beijar o compasso, como diziamos. E dpeois ainda o íamos  receber a casa da minha Tia Rosa. Era como se corressemos todas as capelinhas. Mas na altura em que o deixamos de receber também já nos estavamos a distanciar das práticas e rituais católicos, que faziam cada vez menos sentido para nós. Para mim até nunca tinham feito. Mas à falta de conhecer outra coisa que fizesse sentido, ia permanecendo.


Apesar de tudo a Páscoa era muito importante para mim. Sentia uma emoção enorme quando o compasso, formado pelo Padre e plos três ou quatro senhores que o ajudavam, entravam em minha casa. Traziam um Cristo pregado numa cruz ornamentada de cerca de 60cm. Quando me aproximavam a cruz para eu beijar, eu beijava os pés de Jesus e sentia uma comoção que quase não conseguia conter.

Hoje não beijaria um Jesus cruxificado porque o que Ele pede mais insistentemente é para o tirarem da cruz.

Hoje esse Jesus fala comigo. Como sempre falou. A diferença é que hoje eu ouço-O.

E por isso hoje já sei porque é que a Páscoa sempre foi tão importante para mim e tão emotiva. Hoje já sei porque é que vivo tão intensamente este momento que assinala a História.  Porque o revivo há dois milénios nas minhas células.

 E explicou-me porque é que uma vez, numa Sexta-feira Santa em que eu tinha adormecido no sofá, e quando abri os olhos e vi na televisão uma cena dum filme sobre a vida e morte de Jesus, instintivamente eu caíu no chão de joelhos. Ao mesmo tempo, a personagem que eu estava a ver no ecrã, fez exactamnete o mesmo gesto. Parecia que tudo estava a fazer parte de um sonho, porque entre abrir os olhos e cair no chão demorou menos de um minuto.

 
 

A Páscoa continua a ter um significado intenso para mim. Aliás tem muito mais significado agora e vivo-a de forma completamente diferente. Mas há coisas que se repetem. Ontem fiz o mesmo bolo que costumava fazer. Ou melhor não era o bolo que eu fazia, era umas argolhinhas de massa muito fofa, envolvidas a côco ralado, que me davam muito trabalho porque tinha que untar umas formas pequenas com buraco no meio, mas agora à falta das formas, que enferrujaram, fiz a mesma massa, mas num bolo grande. Mudam-se os tempos muda-se a batedeira, que agora é a Bimby, e foi surpreendente ver como se fez muito mais rápidamente.

Como eu a minha Mãe valorizavamos muito a Páscoa, empenhavamo-nos muito  em preparar a casa para receber o compasso, não só como os doces, mas também com as flores. A casa estava sempre cheia de flores frescas e muito cheirosas. Ainda hoje há flores que para mim são típicas da Páscoa, como os lírios e os liretes. E umas amarelas que tinham o cheiro de que mais gostava mas de cujo nome não me lembro. Ontem a minha Mãe quando estava a fazer os arranjo dizia que Páscoa sem muitas flores, não é Páscoa.



 Mas quando a casa era decorada com as flores, já tinha sido submetida às limpezas da Páscoa, que duravam quinze dias. Em que se lavavam paredes, tectos, cortinas, tapetes e se faziam os arranjos necessários. Vinham sempre pessoas ajudar a essas limpezas, mas dos anos de que mais me lembro eram daqueles em que era a Olga do Hernâni que vinha ajudar. Porque ela tinha um dom. De transformar tudo em novo e de deixar a casa parecida com as das revistas de decoração. Mudava quase tudo de sítio, os tapetes ficavam com as franjas todas alinhadas e o cheirinho era melhor do que qualquer perfume ambientador. Também é certo que escondia certas coisas que a seu ver já não ficavam bem, e viamo-nos gregas para depois descobrir onde as tinha enfiado.

Na Páscoa era tempo de transformação e renovação. E não era só a casa que parecia nova. Nós também vestíamos roupa nova. Sempre. Era como o iniciar de um novo ciclo. Um novo ciclo que se processa muito mais dentro do que fora.







 BOA PÁSCOA!

4 comentários:

Miguel Amaral disse...

Uma boa Páscoa parai ti Cris e Família!

Estava a ler agora o texto, com trovoada e muita chuva á mistura e o que ouvi na rua? O sininho do compasso!!! Coincidências tremendas, sinais!

A minha Páscoa, foi ontem com o meu Belenenses, os azuis da cruz de cristo, que "ressuscitaram" ontem com a efectivação da subida de divisão, faltando ainda mais 9 jogos (27 pontos em disputa).

Foi em Penafiel, foi uma festa de arromba, tremenda, vivi um sonho de menino aos 46 anos, (47 em julho).

Grande beijinho e muito amor! <3

Miguel Amaral disse...

O meu Belenenses, de quem o Pai da Alexandra Solnado era sócio ferrenho!!

Esta vida tem caminhos fantásticos, o Belenenses para mim é uma forma de me libertar das emoções, e só agora percebo isso.

Esqueci de dizer, cuidado com os doces, fantásticos que vi nessas fotos, tapem-me os olhos! :))))

Olinda Cristina disse...

Muitos e muitos parabéns, Miguel! Não há dedicação que não traga o seu retorno :))) Soubeste como tededicar à tua paixão de menino, e voilá!!!!! Parabéns pelo Belenenses e pelo teu blog!!! E como tu dizes, a vida tem caminhos fantásticos...Beijinhos e um grande abraço sentido, Miguel!

Miguel Amaral disse...

Muito obrigado Cris! Beijinho azul!