quarta-feira, 15 de junho de 2011

FLASHBACK

Hoje quando estava a sair de casa para apanhar o comboio e vir para Lisboa, o meu filho queixou-se de estar mal disposto e com aftas na língua. O meu coração apertou logo.

E lembrei-me do período em que estave 12 dias sem comer. Por causa das aftas provocadas pela quimio. Nesses dias não comeu nem uma migalha. Não conseguia. E eu ainda por cima estava a enganar-me na medicação e a dar-lhe menos do que devia. Tinha percebido mal o que a médica me explicou. Quase morria de culpa.

Quando hoje fui à gaveta dos medicamentos dele, voltei a ter a velha sensação. Já ontem tinha ido parar àquela gaveta. Que, felizmente, raramente preciso de abrir. E tive um sentimento estranho. De repente quando vi aqueles medicamentos todos senti quase uma saudade dessa época em que estava tão ligada a ele...em vivia só para ele...24h por dia, durante 1 ano inteiro, vivi só para ele...da nossa união...como a vida é...ele agora sente-se bem, tem a vida dele, 18 anos, está quase sempre com os amigos dele...eu tenho a minha vida...de que ele faz parte, evidentemente, mas que me faz estar menos com ele...E assim é que está bem, eu sei. Assim é que tem de ser. E eu estou infinitamente mais feliz agora que o vejo bem. E que também eu estou bem. Mas são muito mais raros os momentos em que estamos juntos, e em que sentimos a cumplicidade que sentíamos na altura. Nessa época eu tinha consciência que havia coisas boas. Como a nossa ligação. A nossa união.

E hoje ao ler um texto do Pedro Quitério em que fala das coisas boas do tempo em que ele próprio esteve mais doente, em risco de vida, achei curioso por ter sido precisamente sobre isso que eu hoje fiquei a pensar. As circunstâncias de hoje e as daquela época não têm comparação possível, e por nada deste mundo as trocaria, mas a verdade é que nem tudo foi mau. Pelo contrário. Houve muitas coisas maravilhosas. Muitas mesmo. Houve até momentos em que senti grande felicidade. Em que me sentia tão conectada que sabia que os dois estavamos protegidos.

E hoje uma das coiasa que mais tento não esquecer é da importância de manter a conexão. E não ficar à espera que a vida me leve outra vez ao tapete para me manter tão conectada e frágil. Se bem que a vida não se faça rogada em me levar ao tapete...embora nunca mais com a mesma violência. Mas sei que não estou a salvo. Tento lembrar-me sempre a mim própria que não sei o que a vida me reserva. E isso faz-me entregar constatemente.

No Domingo quando estava com a Manuela e ela comentou como o meu filho está bem, eu respondi que sim, mas que está em vigilância. E ela respondeu muito naturalmente: está entregue a Deus. E está. Particularmente entrego a Jesus, constatemente. Quando entregamos sabemos que não depende de nós. Nós só temos que fazer a nossa parte. Desvincularmo-nos. Mantermos-nos frágeis e conectados. Porque nós não controlamos nada.

Ontem lia numa revista uma entrevista ao Manuel Luis Goucha em que ele dizia que na operação a que se submeteu recentemente se sentiu impotente e com todal perda de controle. E que ele sempre tinha controlado tudo. Mas a vida trata sempre de nos mostrar que não controlamos nada. Compreender isso e aceitar isso é das maiores lições que podemos aprender. Só isso abre espaço para deixarmos que a Luz cuide de nós. E a vida fica muito mais fácil. Flui. Sem esforço.

E virá só o que faz parte do nosso caminho. E que Ele nos proteja.

1 comentário:

Lurdes disse...

Mais uma vez aqui estou. Com muito pouco para dizer, mas com tanto que senti.
A mãe que se entregou, a mãe que sempre amou e acreditou... Confiou.
Posso apenas deixar aqui, que tu és uma mãe, que podes ajudar tantas outras mães, que em momentos ou situações da vida parecidos, vão perceber que a fé e a confiança em Deus, as pode ajudar ou pelo menos despertar para situações, que por mais incríveis que pareçam, sejam maravilhosas.
Um grande abraço
Lurdes