quinta-feira, 17 de novembro de 2011

DIA DA OPERAÇÃO

À medida que percorríamos os corredores do hospital e nos aproximavamos do serviço de cirurgia estética e reconstrutiva maxilo-facial íamos ficando mais caladas...ala muito velha, deprimente...quando entrei no gabinete que servia de secretaria reconheci imediatamente à minha frente a enfermeira Isabel. Foi ela que recebeu o Zé Miguel na enfermaria de pediatria cirúrgica. Vinha da oito dias na urgência pediátrica. Instalações novas...sempre muito bem assistido. Eu dormia ao lado dele num cadeirão reclinável. Quando chegamos à peditaria cirurgica, tivemos um choque. Instalações degradantes. Quatro camas num cubículo. Calor de morrer. E a enfermeira disse: "Aqui não é a urgência. Aqui acabaram-se as mordomias. Não vais mais deitar-te a não ser para dormir. Vais ficar neste cadeirão." O choque aumentou com esta recepção.

Ao longo do tempo fui-me apercebendo da competência dela. Ninguém tem tudo. E fui apagando a primeira impressão. Também ela depois percebeu porque é que ele tinha dificuldade em andar a pé e estar sentado. Também ela depois percebeu porque que é que a cicatriz dele da cirurgia ao apêndice não cicatrizava.

Hoje quando a vi lembrei-me disso tudo. Ela não me estava a reconhecer. Quando fez perguntas para tentar lembrar-se do meu filho e eu falei no diagnóstico do cancro eela reagiu com muito espanto....Estava a lembrar-se perfeitamente. Disse que foi um caso de que nunca se ia esquecer porque não é um caso que se esqueça. Que foi muito marcante. E que se lembra perfeitamente do momento em que ela e a enfermeira chefe leram o relatório com o diagnóstico e do choque que sentiram...Se calhar ela até foi uma das enfermeiras que foram em grupo levar-me a água e amparar no choro e eu não reparei...

Mas a enfermeira já está reformada e hoje estava lá com o filho que também ia ser operado a um olho e fracturas no osso da cara porque levou um coice de um carneiro...É verdade. Um rapaz com os seus trinta e tal anos, e foi espreitar o parto da fêmea e levou com o coice do macho...

A seguir, o primeiro balde de água fria teve a ver com uma queimadura. Quando as enferemeiras viram a queimadura da minha mãe passaram-nos uma enorme reprimenda. Que devia ter sido assistida na urgência...que era uma inconsciência da nossa parte...porque era uma queimadura extensa e profunda...É que há dois dias a minha mãe a tomar chá virou o chá por cima dela, sem querer evidentemente, e depois desvalorizou a queimadura. Eu que sempre a acusei de ser muito piegas, interpretei a reacção dela como se realmente não fosse grave. Agora percebo que ela não queria fazer alarido. Estava com receio de voltar à urgência. E eu fui negligente. Devia ter insistido mais para ir ao hospital e até levá-la mesmo contra a vontade dela.

A minha Mãe está a fazer um trânsito de Saturno. Tem 70 anos. Já aqui falei neste trânsito. Que se faz sentir de 7 em 7 anos. E 7 x 10= 70. Não é brincadeira. E está-se a ver. Ele trata de acordar as pessoas para a vida. Desperta os karmas que vimos resolver. E quem não resolve a bem resolve a mal. Quer dizer, não é bem assim. Há quem nunca resolva. Há quem nunca acorde. Quem nunca se pergunte porque nasceu e para quê. Ou melhor, há quem nunca procure as verdadeiras respostas. Mas por acaso isto já teve os seus frutos. Com a história da queimadura a minha mãe achou demais, percebeu que as coisas lhe estavam a acontecer a ela em especial e perguntou-me porquê. Deu-me espaço, pela primeira vez na vida, de lhe falar em espiritualidade e vidas passadas. Acho que não assimilou mas pode ser que tenha ficado uma semente.

Entramos na enfermaria. Outro choque. Quatro camas e na cama ao lado da minha Mãe uma senhora de 80 anos com Alzheimer. Está sempre em luta, sempre a tentar sair da cama apesar de estar amarrada. A figura dela ao princípio assusta. Muito magra, tenta tirar a bata e fica meio despida. Vamo-nos apercebendo que a senhora no seu discurso permanente e sem sentido às vezes tem muita piada...é inevitável não nos rirmos...a mim tratou por Catarinazinha e pediu para lhe tirar os sapatos...acabou por pedir muitas outras coisas sem sentido...e no fim disse uma coisa lúcida quando alguem lhe estava a perguntar se queria café:" Café a esta hora? Não, que depois não durmo."

Finalmente a operação. Correu bem. Minha Mãe chegou tranquila e só abria os olhos para olhar para a D. Miquelina e rir-se com as coisas dela...

Fiz-lhe mais festas do que nunca e ela teve mais terna comigo do que nunca...reparei que raramente lhe fazia festas porque ela nunca me fazia...mas alguem tem que começar. E se eu tenho mais consciência isso tem que me servir para alguma coisa.

E foi bom. Muito bom estar assim com a minha Mãe. Apesar das circunstâncias. Mas já não estranho. Foi quando aprendi as maiores lições. Foi com estas circunstâncias.

1 comentário:

Lurdes JC disse...

Bem vou deixar um comentário, que deveria ser deixado no texto: O grande dia e rápido da recuperação... Este texto foi escrito ontem, o meu comentário foi escrito hoje... Acho que ficou lá a semente da espiritualidade... LOL
Estou feliz por vocês todos... e por mim, porque és minha amiga...
Bj gd
Lurdes Jóia