terça-feira, 1 de novembro de 2011

A VIDA FALA CONNOSCO DE MUITAS MANEIRAS

A vida fala connosco de muitas maneiras. E ouvi-la através dos sinais que me manda é do que mais me entusiasma.

Ontem fui à Casa Fernando Pessoa assistir à estreia mundial de um filme sobre a obra poética de Carlos Drummond de Andrade.

Tinha decidido na véspera, quando vi esse anúncio na internet. E pouco depois de tomar essa decisão liguei a televisão, o que é raro. Raríssimo. Estava sintonizada no Canal 2 e estava a dar um programa da Paula Moura Pinheiro em que ela estava a entrevistar a Teresa Belo, que eu não conhecia, e que percebi que era a viúva de Ruy Belo, um poeta que eu também não conhecia.

Confesso a minha profunda e quase completa ignorância do mundo da poesia, que me deslumbra só desde há muito pouco tempo. E este tardio despertar, por assim dizer, faz-me quase devorar tudo o que apanho...

E voltando à entrevista na televisão, enquanto continuava a assistir fui fazendo ao mesmo tempo pesquisa na internet sobre a obra do Ruy Belo e li o poema "Elogio a Teresa" de que a entrevistadora estava a falar. Entretanto ouvi um comentário de Teresa, sobre os poetas serem uns fingidores, o que me fez pensar no que me tinha sido dito sobre Vinicius de Moraes. De facto, muito do que dizem não transmite quem eles realmente são. E isso leva-nos para outro campo. Que me fascina e a eles também. O de serem mensageiros. Por isso o que eles dizem os trancende. E por isso são avatares. Etc. Etc.

Bom, mas no fim dessa entrevista a jornalista chama a atenção para o tal filme sobre Drummond, que ia ser projectado na Casa de Pessoa no dia seguinte. Eu pensei: “Engraçado, parece que liguei a televisão só para ouvir dizer isto, como se fosse uma confirmação de que é mesmo para eu ir.”

Ao contrário das minhas intenções de chegar muito mais cedo, chego poucos minutos antes do filme começar. Começo a fotografar. Fascinada. Ou não fosse eu.

Vou subindo pela casa e chego ao quarto que era dele. O Quarto do Desassossego. Com o mobiliário e os objectos de quando ele ali vivia. Estou sozinha e fotografo à vontade. Tinha perguntado logo á entrada e disseram-me que podia fotografar desde que não usasse flash.

De repente ouço uma voz mesmo atrás de mim: “Este é que é o quarto do Pessoa.” Volto-me para trás e estremeço. Reconheço-a imediatamente. Desculpe, é a Teresa Belo, não é? Sim, sou. Muito sorridente. É que eu vi a sua entrevista ontem na televisão. Mostrou-se surpreendida. Perguntou se eu tinha gostado. Conversamos um bocadinho. Quis saber o meu nome, (e eu, como sempre últimamente, hesitei...entre Olinda e Cristina....e acabei por responder Olinda Cristina), demos dois beijinhos. Agradeceu-me várias vezes e eu sempre a responder: Eu é que agradeço. E dei-lhe os parabéns. Despedimo-nos.

Subo mais, para a sala onde ia ser projectado o filme. Sento-me. E fico a pensar naquela coincidência. Naquele sinal, que hoje sei interpretar como um sinal de que estamos no sítio certo, à hora certa. E de que o primeiro destes grandes sinais que tive, foi com a Alexandra. Já aqui contei, acho eu, que em 2004, na noite em que acabei de ler o primeiro livro da Alexandra, decidi que no dia seguinte ia a Fátima. Sem saber o que ia lá fazer. E que foi a primeira vez que segui a minha intuição, sem pensar. E lá, quando já estava a desistir de descobrir o que lá tinha ido fazer e estava a sair do santuário, cruzo-me com a Alexandra. Eu parei e ela parecia vir na minha direcção. No momento em que nos cruzamos perguntei se era ela. Porque estava de óculos escuros e a minha surpresa era tanta que estava com dúvidas que fosse ela. Disse-lhe: "É que estou aqui porque li ontem o seu livro." Ela respondeu-me que tinha acabado de escrever o segundo livro há poucos minutos. E realmente quando o segundo livro foi publicado e cheguei à última página, reparei que a data a e hora que lá constavam, eram de 5 minutos antes do nosso encontro.

Realmente é impressionante o efeito que esse encontro teve na minha vida. Foi a primeira vez que tive a noção de estar a receber um sinal fortíssimo. E também a primeira vez que tive a noção do que pode acontecer quando nos deixamos guiar pela vida. Quando seguimos a nossa intuição. Foi por ter aprendido a pôr isso em prática que a vida me levou por onde eu não podia sequer imaginar.

Continuava nestes pensamentos quando vejo a Leonor Xavier entrar na sala. Foi a última mulher do pai da Alexandra. Não a conhecia pessoalmente. Curiosa, mais esta coincidência, penso eu. É ela que faz a introdução ao filme, dando o seu testemunho de convivência com Carlos Drummond de Andrade, "O Poeta", na sequência de uma entrevista que lhe fez enquanto jornalista, em 1984. Mais uma vez, as ligações...

E por falar em ligações, hoje falo de Drummond, e no último texto falei de Vinicius, hoje falo de Pessoa, e no último texto falei de Almada...Todos tão grande poetas, tão grandes... Falei na amizade entre Pessoa e Almada, e hoje transcrevo estas frases de Drummond sobre Vinicius : "Vinicius é o único poeta brasileiro que ousou viver sob o signo da paixão. Quer dizer, da poesia em estado natural." "Foi o único de nós que teve a vida de poeta". "Eu queria ter sido Vinicius de Moraes."

Paro. Interrompo esta escrita. Tanta coisa a dizer que não sei por onde ir.

Nesta pausa volto à minha página do Facebook. Vejo que uma amiga publicou uma entrevista do Professor Agostinho da Silva. Curioso, o primeiro livro da Alexandra fala nele e na célebre frase : “Não faças planos para a vida, para não estragares os planos que a vida tem para ti.” E pôr isto em prática foi o que me trouxe as melhores surpresas, as melhores experiências e acontecimentos na minha vida.

Aproveito para ver mais alguns vídeos dele que estão no Youtube. Numa entrevista feita pela Alice Cruz, Agostinho da Silva diz: “Nunca trabalhei em poesia. De repente um poema surge e eu apenas o escrevo. De maneira que tenho as maiores dúvidas se serei eu que o faça. Lá quem faz não sei, mas por mim, não creio que faça. A não ser que seja por vezes preciso acertar qualquer coisa que saiu torta, do outro que debitou o poema. (…) Estou às ordens dele.(…) Toda a nossa vida é poesia. E todo o objectivo da nossa vida devia ser, quando acabassemos as pessoas dizerem: Morreu um poema. Eu costumo dizer que o Fernando Pessoa ser chamado um grande poeta, não é por causa dos poemas dele. Podem ser considerados muitos outros poemas tão bons como os dele. A questão foi o Fernando Pessoa ter conseguido fazer dele um poema. Dedicar-se completamente aquilo que queria sem se importar se comia, se não comia, o que é que se passava na vida dele, se tinha onde dormir, se não tinha onde dormir, tanto fazia, isso é o que eu acho que foi a grande criação poética do Fernando Pessoa. E de vez em quando saía um poema. Alguns até bastante bons, como se sabe.”

Quando vou a sair detenho-me no quadro de Fernando Pessoa, pintado por Almada Negreiros. Indago e fico a saber que é original, mas um dos originais. O outro está num museu. Eu não sabia que Almada tinha pintado dois quadros iguais, ou melhor, quase iguais, apenas com algumas nuances que diferem, que têm a ver com cores, e um símbolo de geometria sagrada.

O senhor que me explica isto tudo também me explica qual o melhor transporte a tomar para ir apanhar o comboio da linha. Estamos no espaço de exposições, e vem uma senhora direita a mim: “Quer boleia para a estação? Podemos deixa-la em Alcântara.” Deduzo que ela tenha estado por ali e ouvido a nossa conversa e depois de pensar resolveu voltar para trás para me oferecer boleia. Aceito, encantada, até porque carregava comigo três exemplares da revista “Tabacaria” que já está fora de circulação, oferecidos, e que não eram tão leves quanto isso. Ela e o marido são bastante simpáticos e pelo caminho perguntam-me de onde sou. Ficam bastante surpreendidos por ser de Paredes, porque vão lá perto todos os anos, visitar um tio que vive em Louredo. Mal posso acreditar…Ninguém conhece Louredo…Nunca ninguém me falou de Louredo…É a terra natal da minha Avó Bertina! Emociono-me…

Como emocionante foi todo o serão. Estar na casa de Fernando Pessoa. Ver um filme em que Chico Buarque, Caetano Veloso, Marília Pêra, Adriana Calcanhoto, entre muitos outros, dizem poemas de Drummond. As lágrimas estiveram nos meus olhos, do princípio ao fim.

Feliz. Já em casa, ouvi Jesus. A dizer-me que eu estava tão feliz porque estava a viver a minha vida. A sair sozinha. A fazer as coisas de que gosto, sozinha. Tal como Ele me disse para fazer há exactamente um ano atrás, através dum reading da Alexandra. Até me tinha dito literalmente, para pesquisar na net eventos que me agradassem e no dia seguinte ir. Sozinha. Por isso tudo fluiu. Por isso tantos sinais. Estava no sítio certo, na hora certa. A fazer o que era certo. Tento fazer isso o mais que posso, mas pelos vistos não faço tantas vezes quantas as que seria bom que fizesse.

Hoje de manhã pego na agenda cultural de Lisboa para o mês de Novembro, que trouxe de lá. Folheio. Leio um artigo sobre o livro da Maria João Ruela, “Viagens Contadas”. Resolvo ligar a televisão. Na SIC Mulher esta a dar uma entrevista com ela…Até me custa a acreditar em mais esta sincronia…Que precisão! Ela está a falar do livro que tinha levado com ela para a viagem em que foi alvejada e cujo título era “É mesmo para estares aqui?”. Achou que o título era um sinal…e desde aí tem cuidado com o livros que escolhe para levar nas viagens… O que ela talvez não saiba, é que não tem que escolher, pelo menos não com a cabeça…porque se escolher por intuição, terá mesmo um sinal, muito provavelmente.

Hoje o meu dia não terminou tão bem como começou. Mas essa é outra história.

Esta termino como comecei: A vida fala connosco de muitas maneiras.






2 comentários:

Lurdes JC disse...

Um texto que me avivou a memória com tantas lembranças culturais. Sempre fui leitora de poesia, sempre que me lembro brincava com ela, que ocupou o espaço das bonecas e dos brinquedos na minha vida. Quando criança devorava livros e mais livros de Fernando Pessoa,etc...Imitava-os escrevendo umas frases, imitação barata, da grandiosidade que lia e sentia. O teu texto, ensinou-me e relembrou-me tanto... Agostinho da Silva, um homem que nos deixou tanto... E agora apetecia-me falar deles todos... Não dá... Quero também relembrar Lima de Freitas " Pessoa e o caminho da serpente", em azulejo, que está na estação de comboios do Rossio, sei lá, trouxeste-me tanta recordação, tanto avivar de conhecimento, que ficaria aqui a escrever mas não posso...
Deixo então um pequeno mas grande poema do Ruy Belo que gosto muito:

Este céu passará

Este céu passará e então
teu riso descerá dos montes pelos rios
até desaguar no nosso coração.

Iluminas o nosso céu, dás luz aos nossos conhecimentos, reacendes o fogo dos nossos corações, escreves Pessoa e tantos mais, mas na verdade o que mais escreves és tu...
Um grande abraço por tudo isto e muito mais...
Lurdes

Olinda Cristina disse...

Amiga, também tinha tanto, mas tanto mais para contar...desde o percurso que fiz para lá, o eléctrico, o Jardim da Estrela, a Basílica, a velhinha de cerca com 90anos, acho eu, que me disse que o plícia não percebia nada e ela é que me ia indicar o caminho para a Casa, que ia lá quando era pequenina e a sorte era nunca ter encontrado o Pessoa, senão tinah sido uma desgraça...desde a peripécia à vinda, porque acabei por vir sem bilhete e o revisor não colocou problema nenum...enfim as histórias eram tantas...Tanta coisa de Drummond. De Pessoa. E fotos. Tantas fotos que gostava de publicar. Enfim...Obrigada pelas tuas palavras, gramde amiga, e obrigada pelo poema do Ruy Belo. Agora já o conhecia...LOL...Gostei muito de teres dito que o que eu mais escrevia era eu...É disso que não me quero desviar. Obrigada e mil beijos. Mais mil.