quarta-feira, 16 de junho de 2010

OS DIAS DE ISOLAMENTO



Ainda ontem disse aqui que ia começar a escrever sobre as vivências no IPO, e hoje o meu amigo Paulo Ferreira publicou na página dele do FB a doação que conseguiu por parte de uma empresa de consolas e jogos para os quartos de isolamento da pediatria do IPO. Deu-me o mote para este texto: os dias de isolamento.

Quando os valores das análises desciam drásticamente, o Zé Miguel tinha que ficar em isolamento. Aconteceu várias vezes. Cerca de seis. Ou então quando fazia febre. Neste caso tinha que fazer análises para averiguar a causa da febre e o resultado demorava 5 dias, por isso até sabermos os resultados não podia sair.

No quarto do isolamento só podiam entrar os pais, médicos, enfermeiros e pessoal de limpeza. Sempre com máscaras, toucas, batas e calçado próprio. Ficavamos tão irreconhecíveis que um dia um médico confundiu o meu ex-marido comigo...A roupa do Zé Miguel ficava numa antecâmara e a nossa (dos pais) ficava num vestiário junto a uma casa de banho do corredor. Tinhamos que tomar banho e vestirmo-nos nessa casa de banho que era uma para os pais de cerca de 10 meninos. Nas "horas de ponta" (peq.almoço, almoço e jantar) ficavamos em fila, à espera da nossa vez.

Esses dias eram um suplício para o Zé, assim como para todos os outros q passavam por isso. Ao terceiro dia já começava a ser difícil gerir aquela ansiedade toda. Depois surgia o medo de ter que estar mais do que os cinco dias mínimos...

Havia muito meninos que passavam longas fases em isolamento. Um desgaste enorme para eles e para os pais. Lembro-me da Belinha, com cerca de dois anos, que estava práticamente sempre em isolamento. Quando tinha ir para a fila para trocar de roupa quase sempre me encontrava com a mãe dela, que no último ano só tinha ido uma vez a casa. Foi nesse vestiário que a mãe dela me disse que os médicos a estavam a preparar para o pouco tempo de vida da filha. Mas ela não queria acreditar. Depois da filha partir, ela continuava a ir lá frequentemente, como se aquela fosse a casa dela.

Por duas ou três vezes que o Zé teve que ser internado devido a febre. E a febre surgia de madrugada. Tinhamos que aguardar duas horas, para ver se baixava. Ligavamos para o IPO para ficarem de sobreaviso. Se não baixasse tinhamos que ir directos. Era nessas alturas que ele ficava mais aflito. Pedia-me para lha fazer uma limpeza energética. Pedia constantemente. Ficava práticamente em pânico. De uma das vezes a febre baixou de tal forma que não foi preciso ir. Das outras vezes cheguei lá com ele às cinco da manhã. Tudo escuro. Tudo em silêncio. Começar logo por fazer as análises antes de ir para o quarto. Nunca o via tão frágil como quando se sentia ameaçado pelo isolamento.

Quando se aproximava o dia em que provavelmente teria alta começava o assédio a médicos e enfermeiras. Prestava-se a todos os sacrificios só para que o tirassem do isolamento. Prometia tudo. Perito na arte da sedução, ninguém lhe ficava indiferente e as próprias enfermeiras ficavam eufóricas quando lhe comunicavam a alta porque ele transfigurava-se. Ganhava vida. Lembro-me tão bem como ficavamos felizes só por não continuarmos no isolamento. Às vezes nem podiamos vir logo para casa mas pelo menos podiamos ir para os quartos normais, e ele já podia passear no corredor, já podia ir para a sala de jogos. Largavamos as máscaras e batas.

Como tudo é relativo!! Como tudo depende da perspectiva. Como mudar de quarto dentro do IPO pode ser uma alegria...!!

Foi num desses períodos de isolamento,que um dia, quando estavamos os dois a ver um dos programas da manhã na televisão, ele sempre a chamar-me a atenção para eu olhar para o ecrã, e de repente vejo a passar em rodapé esta frase: "Mamã Cristina tu és a razão do meu viver amo-te para sempre Feliz Natal querida."

Foi muito emocionante. Pedi-lhe que me explicasse como se fazia e entretinhamo-nos a mandar mensagens de amor um ao outro através da televisão...

O amor. Sempre o amor. O amor da minha vida.

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