sábado, 5 de março de 2011

HISTÓRIAS DAS VIAGENS DE COMBOIO- COM EPISÓDIO EM DIRECTO

Estas viagens semanais de comboio que faço há 18 meses têm-me proporcionado muitas histórias. Neste momento vou aqui a ouvir um rapaz que gagueja a falar, e embora ele esteja sentado três filas à frente consigo ouvir o que a tia lhe diz por telefone. Fiquei também a saber o que ele vai fazer este fim de semana.
Atrás de mim vai uma rapariga com um gato que mia como um bebé.
Realmente as melhores histórias são as relacionadas com os telemóveis. Desde os toques mais extraordinários e com os volumes mais incríveis. Para mim trata-se de um verdadeiro fenómeno. Estou a lembrar-me agora de um senhor que tinha o telefone em alta voz, mas mesmo alta, e colocava-o ao ouvido como se não estivesse nessa função…É claro que se ouvia tudo, mas mesmo tudo…o que ele dizia e o que lhe diziam a ele…isso já foi há muito tempo…não me lembro da conversa, mas era hilariante…

E a de outra senhora que telefonava ao filho e falava tão alto como se estivesse a falar para a China…e toda a carruagem ia acompanhado as sucessivas conversas, porque ela e o filho iam combinando quem é que ia buscá-la à estação…só que nesse dia houve uma avaria e o comboio atrasou brutalmente…mas o que ela queria era que fosse o filho a ir buscá-la e não o “tax”…embora dissesse ao filho que não, que ia de tax…mas depois dizia que o comboio só estava atrasado 10 minutos que bastava ele esperar um bocadinho…e numa das vezes a carruagem respondeu em peso e em uníssono “NÃO SÃO 10, SÃO 30 MIN.”….e desataram todos a rir…porque realmente já dava vontade mesmo muita vontade de rir…

Agora não vão acreditar, neste exacto minuto, enquanto estava a escrever isto, surgiu uma rapariga que me pediu licença para se sentar no lugar vago ao meu lado junto à janela…tratou-me por tu e pediu logo desculpa porque de repente pensou que eu fosse da idade dela…enquanto eu pegava no computador para ela passar com as mil tralhas, foi-me explicando que estava sentada num outro lugar, já a dormir, mas chegou o dono do lugar e ela teve que procurar outro, que esperava que não chegasse o dono deste lugar, porque precisava mesmo de dormir…e que precisava que chegasse o revisor para comprar bilhete…Eu nem sabia que se podia entrar no comboio sem bilhete, mas pelos vistos quem entra em Santarém a esta hora, como a bilheteira já está fechada, tem que o comprar ao revisor.
Enquanto se cobria como casaco e tentava encontrar uma posição para dormir olhou para mim e perguntou-me se eu ainda estava a trabalhar…respondi que não, que gostava era muito de escrever….e ela respondeu que também gostava muito, mas que estava morta, que vinha de uma directa…e que esta semana inteira só tinha dormido 8 horas…entretanto na tentativa de encontrar uma posição confortável punha-se nas posições mais espatafurdias e até parecia que ia trepar pelas paredes da carruagem…até me vou abster de descrever a posições ao estilo contorcionista que ela ia tentando… admiro o à vontade dela…bonita e desinibida…botas de plataforma pretas e tacões vertiginosos… disse que ia para Famalicão e pediu-me para a acordar em Campanhã…já vai aqui a dormir como uma justa…

Mas para mim a história mais engraçada é de uma senhora com os seus 45 anos.
Estavamos no Cais do Sodré, já dentro do comboio para Cascais. Devia ser perto da meia noite e estava tudo em silêncio à espera que chegasse a hora da partida.
E aquela senhora falava como se estivesse sozinha no comboio…percebia-se nitidamente que estava a falar com o “amante”…era obviamente amante e não marido ou namorado… percebia-se que trabalhavam no mesmo local, não digo colegas, porque me pareceu a típica situação de secretária, e que ele a estava a acusar de andar a controlar o cartão de crédito dele…ela negava veemente mas ele só poderia acreditar porque não via a cara que ela fazia…eu que estava de frente para ela e estava capaz de explodir de riso…ai meu Deus…o esforço louco que fiz, quase sobre humano, para não me desmanchar…ainda por cima ela fazia caretas e revirava os olhos como quem diz: “és uma chato!...a paciência que é precisa para te aturar”…
E o gatinho que vai aqui atrás não se cala…até agora não o ouvia porque ia de phones…vou pô-los outra vez…

Alto, vem aí o revisor…está a aproximar-se e a rapariga aqui ao lado continua a dormir…vêm aí cenas do próximo capítulo…já as conto…

Incrível, a revisor chegou aqui e foi para trás…ainda não foi desta…
Agora está tocar um telefone com aqueles toques de telefone antigo…ah…é o tal rapaz que gagueja…está a contar como este comboio vai repleto e como são imensas carruagens..por causa de ser o fim de semana do Carnaval…diz ele que vai em transe psicadélico…porque a amiga ao lado dele pôs umas musicas estranhas no ipod…falou agora em cocaína e tal…e ri-se …não queria parecer que estou a gozar…mas o rapaz também gagueja a rir…

Alto…vem aí o revisor outra vez…vamos ver o que vai dar…

Estou perdida de riso…a cena foi melhor do que eu imaginava…o revisor acordou-a e ela começou a reclamar com ele de uma forma muito sedutora…que não a tirasse deste lugar…que já tinha mudado e não queria mudar outra vez…que ele não a devia ter acordado ..porque estava cheia de sono…porque esta semana só tinha dormido 8 horas..ele disse, já todo derretido que não adivinhava…perguntou se era por causa das Frequências…ela disse que não, que já trabalhava…mas para a próxima vez ele a acordar só no Porto…ele sugeriu-lhe que ela pussesse letreiro com uma nota para pagar o bilhete…a conversa continuou até acabar com ela a desejar-lhe bom fim de semana e bom carnaval e ele a desejar-lhe bons sonhos…pelo meio eu tive que traduzir algumas coisas porque ele dizia que ela falava muito baixinho…eu nem sempre consegui traduzir porque me ria…do jogo dela e da cara de derretido dele…
Antes de voltar a adormecer perguntou-me “Mas que barulho é este? É um gato? Mas ele não se cala?”…Ainda me pediu para a acordar em Gaia e não em Campanhã.
C’ést finit. Por ora. Porque se tiver mais desenvolvimentos, eu conto.
De qualquer forma ia ter que parar, porque eu enjoo se ler ou escrever muito.
Tocou outra vez o telefone do rapazinho gago e vai a dizer pela enésima vez que vai no comboio e que só chega ao Porto à 1h.
Agora reparo que o senhor que ia a olhar para mim fixamente desde o inicio da viagem já saiu…não me pareceu que fosse por mal, é que realmente não tinha nada de mais interessante para fazer, pareceu-me…não devia ir atento às conversas do lado como eu vou hoje…
A rapariga acorda e ao pousar um dos pés no chão, vindo lá das alturas onde ele estava…torce-o…pergunto se não terá sido apenas um mau jeito…que não, que lhe dói muito, que é mesmo torcido…ofereço-me para tentar ir arranjar gelo no bar, mas que não é preciso…depois queixa-se de ter deixado os cigarros não sei aonde…ofereço-lhe dois.
Pelos vistos perde o comboio de ligação a Famalicão e vai ter que esperar que pais a venham buscar…agradece-me a companhia e sai desanimada..
Na estação o meu Pai está à minha espera.

Quando chegamos ao carro, estacionado no terreno do outro lado das traseiras da estação, o meu pai faz-me sinal com os olhos…no primeiro impacto nem percebo bem o que se está a passar…aproximo-me e estão dezenas de sem abrigo a dormir ao relento, cobertos apenas com cobertores…em círculo…fiquei em choque…perdi a fala…nunca tinha visto tal…Absolutamente chocante! Inacreditável…Surreal…

2 comentários:

graca.ribeiro disse...

Adoro as tuas histórias vividas com o coração, escritas com emoção.
És uma pessoa linda, com uma luz que só pode ser lá mesmo de cima!.
Abraço na luz.
A amiga tua e da tua avòzinha.

Olinda Cristina disse...

Graça!!!!! Como eu estava aqui a dar voltas à cabeça...quem seria esta Graça que ainda por cima é amiga da minha avó...! Agora percebo...Hoje é o dia das surpresas, porque ainda não tinha lido os comentários a estes textos...e não estava a reconhecer ninguém...Fico feliz! Abraço grande para ti, Graça, e obrigada.