domingo, 14 de agosto de 2011

A CONSULTA EM MUNSTER.

Hoje estava a folhear uma revista e vi uma referência a um hotel em Lisboa onde trabalha uma rapariga que atendi há pouco tempo. Quando ela me estava a contar que tinha feito o estágio no estrangeiro, não sei porquê tive a sensação que deveria ter sido na Alemanha e perguntei-lhe. Ela respondeu que foi em Munster. A mesma cidade alemã onde fui com o meu filho há 2 anos atrás consultar um médico especialista em Sarcoma de Ewing.

A consulta foi no dia 14 de Agosto de 2009. Fez hoje precisamente 2 anos.

Quando o meu filho estava prestes a terminar o tratamento e perante a proposta dos médicos que o assistiam de fazer auto-transplante de medula óssea, resolvi, com o acordo do pai dele, consultar um dos maiores especialistas na doença dele. Neste caso o Prof. Dr. Herbert Jurgens. Também tinha tentado a consulta de especialistas norte-americanos, com a ajuda do meu afilhado João, mas obter um parecer deles implicava repetir todos os exames nos EUA, e como um dos médicos especialistas da Clínica Mayo me disse por telefone, o assunto era tão delicado que iria obter sempre respostas diferentes. Que quanto mais médicos consultasse mais diferentes respostas iria obter.

Contactei então aquele que na Europa seria o melhor especialista, e que dirigia a equipa no Hospital Universitário de Munster, que elaborou o protocolo para tratamento do Sarcoma de Ewing, que foi o seguido pelo IPO para o tratamento do meu filho.

Foi assim que comecei a correspondência com este médico e a sua equipa.

E este foi o primeiro email que enviei:

“Dear Prof. Dr. Herbert Jürgens

First of all, I'll introduce myself and my situation.
I'am a Portuguese mother, whose 16 years old son, named José Miguel,
was diagnosed with a Ewing’s Sarcoma in July, 2008.
Presently, he is being treated according to one of your protocol (Euro
Ewing), in the Portuguese Oncology Institute, in the city of Oporto.
Please find enclosed a copy of his medical report.
Her doctor advised a bone marrow transplantation but we would
appreciate to have a second opinion from a reference European Centre.
In that sense, Dr. (…)– from (...) advised us to contact you.
We can send you the Cd’d with the radiology files and also a more
complete medical report.
His last chemotherapy session will be on the June, 17. After, a BMT
(Bone Marrow Transplant ), in the short run, is seen as a possibility.
However, this possibility may not be consensual, so we are asking for
your medical expertise / opinion. We would really appreciate if you
would be so kind to receive my son, for a consultation.
We consider that it would be a great advance if you could receive Jose
Miguel.

Hope to hear soon from you

Best Regards

Cristina Molar”


Eu que tinha o meu inglês completamente enferrujado, vi-me na necessidade de estabelecer contacto nessa língua abordando assuntos que exigiam uma linguagem técnica.

Evidentemente que sozinha não teria conseguido, e as ajudas mais preciosas que tive e podia ter tido, foram da Adelina, tradutora e cunhada de uma grande amiga e que se tornou minha amiga também, que foi incansável, verdadeiramnete extraordinária, na tradução sobretudo de todos os relatórios médicos, de páginas e páginas, que tive que enviar para lá, e da Isabel, que me prestou sempre uma ajuda preciosíssima, que certificava que os termos médicos estavam correctamente traduzidos.

Entretanto no envio e recepção dos emails eu lá me ia desenrascando. Dezenas e dezenas de emails e telefonemas trocados com vários médicos, todos da mesma equipa. Foi assim durante 2 meses.

Com todo o tipo de contratempos e dificuldades inerentes a situações destas. Mesmo na última sessão de quimio o emu filho contraíu nova infecção de cateter. Se devia colocar novo cateter para o caso de fazer o auto-transplante, ou não. E se no caso de dever colocar, se colocava cá ou lá...Era tudo difícil de decidir. Pelo meio até fui confundida como sendo a médica do meu filho e não a mãe…

Dear Dr. Uta (…),

I´m sorry but I´m the mother of José Aires and not the doctor. However, please expect to receive soon an email of one of his doctors, named Dr (…).

The images on the last MR, dated March 18th 2009, are in the CD of IPO (Portuguese Oncology Institute), recorded in April 21st, 2009. In order to see the images, you must open the CD and execut the file "SeFILM - ShelExec".

Please let me know in case the problem persists and you are still unable to see the images. I´ll ask for another CD at the IPO (Portuguese Oncology Institute) and will send it promptly.

Thank you so much and my best regards

Olinda Cristina Molar”



Diz o ditado que a necessidade aguça o engenho e realmente não fazia ideia que era capaz de comunicar como comuniquei nem de estabelecer tantos contactos como estabeleci. Só perante provas de fogo como estas é que vamos tendo noção de que afinal somos capazes de coisas até aí impensáveis para nós...

No fim do mês de Julho, fomos eu e o meu filho, uma amiga, a Vânia, e os filhos dela, uns dias para o Gerês, mas lembro-me que passava grande parte dos dias a trocar emails com a Alemanha, porque o meu filho tinha uma série de exames e intervenções cirurgicas de preparação para o auto-transplante marcados para início de Agosto e ainda não sabíamos quando íamos ser atendidos na Alemanha.

Finalmente suspenderam-se as intervenções para viajarmos para a Alemanha porque a consulta foi marcada para 14 de Agosto.

Partimos, eu e o meu filho. Fomos atendidos pelo Prof. Dr. Jurgens e uma médica sua assistente com quem também eu já tinha falado. Foram de uma simpatia extrema. Quando o Prof. estava prestes a comunicar-nos a sua opinião, formada pela análise de todos os exames e relatórios enviados, e discutidos pela sua equipa, o meu filho sentiu-se tão, tão, nervoso e ansioso que pediu para sair da sala…Pedi-lhe que ficasse e enfrentasse o que viesse.

E a notícia foi das melhores que poderíamos ter recebido…quando eu traduzi ao meu filho o que o Prof. estava a dizer, e que era que não aconselhava a que se fizesse o auto-transplante, porque considerava que havia 80% de probabilidades de estar curado, ele levantou-se e agarrou-se ao Prof. a chorar… comovido, aliviado e agradecido...porque a hipótese de ter que fazer o auto-transplante estava a atormentá-lo seriamente...e ele e a nós...

O auto-transplante implicaria pelo menos um mês de isolamento total. Só médicos e enfermeiros poderiam entrar no quarto. Para além de outras condicionantes violentas.

O Prof. Jurgens perguntou-me se acreditava em Fátima…fiquei surpreendida com a pergunta…e que devia ir agradecer a Fátima e que preferia que eu continuasse a ir todos os anos agradecer a Fátima do que fosse todos os anos a Munster…

Perguntou-me ainda se eu iria ser capaz de viver com os 20% de probabilidade da doença reincidir.

E é assim que tenho vivido…




(foto tirada há 9 dias)



4 comentários:

Lurdes JC disse...

Que experiencia tao dolorosa e maravilhosa ao mesmo tempo. Sao estas experiências que nos indicam e nos mostram do que somos capaz por amor, o verdadeiro amor é aqui tao sentido. Estou de lagrimas nos olhos, e o que mais me comoveu foi o grande coraçao do médico. Senti tanto a generosidade, a sua vocação. E o José Miguel um rapaz que tem um coraçao tao grande e que tem a prova que quanto mais fragilizado mais a energia flui. Deus sabe o sue faz, quem coloca no nosso caminho, e porque os coloca. Tantas pessoas amigas... Realmente nao te vou elogiar mais porque agora sim já nao tenho palavras, mas sentimentos para um coraçao tao puro como o teu...
Um grande beijo

Olinda Cristina disse...

Estava mesmo agora a ler o teu comentário e a retocar o texto e a minha mãe muda de canal da TV e estão a dar as cerimónias de Fátima...o Adeus à Virgem...e choro...

Pedro Quitério disse...

Mais uma história da Olinda que emociona, e muito.
Também eu tenho uma relação com Fátima sentida...
Sempre desvalorizei e achei que a comum relação das pessoas com Fátima eram banais e comuns das pessoas muito ligadas ao catolicismo, mas numa das últimas aparições da imagem da Senhora de Fátima em Lisboa, á cerca de 3 ou 4 anos, dei comigo, estranhamente, a acompanhá-la de perto nos Jerónimos...e emocionei-me verdadeiramente.
E posteriormente, uma das fotos lá tiradas é das fotos mais bonitas que tenho no meu "portefolio"... tirada ao fim da tarde a mim próprio e à Margarida com o braço esticado, com uma côr..............................
Não existe dúvida que está tudo constantemente em mudança.
Lemos mas é dificil sentir ou imaginar o que a Olinda passou nesta altura...
Aproveito para dizer que nesta foto a mãe e o filho estão brilhantes e cheios de luz...a máquina até se deve sentir com tal brilho....
Mais uma vez os meus parabéns pelo texto e pelo que consegue transmitir.
Beijinhos e abraços para os dois.

Olinda Cristina disse...

Obrigada Pedro! É sempre muito bom ler os seus comentários...Muito bom, mesmo. Um bom Verão e um grande abraço!