Vivo entre dois mundos. Literalmente.
Assim como Oeiras e Rebordosa também são dois mundos diferentes.
Quando chego a Rebordosa sinto o impacto da energia. Densa. Pesada. É uma terra muito feia. Das mais feias que conheço. É "Berço do Móvel" porque iniciou a indústria de mobiliário em finais do Séc XIX, e hoje representa 60% da produção nacional (a marcenaria foi introduzida por senhor italiano - mais precisamente siciliano - que casou com uma senhora de Santa Luzia, onde nasci, e vivia a minha Avó Bertina).
As casas (feias) misturam-se com as fábricas (tenebrosas). Aliás, em muitos casos até se misturam no mesmo edifício: por baixo a fábrica, e no andar de cima a casa.
Costumo dizer ao meus amigos de Oeiras que não imaginam como Rebordosa é, e tenho até a intenção de fazer uma espécie de documentário sobre esta minha terra natal.
E para principío tirei umas fotos, só da minha rua, que já é bastante elucidativa.

(esta é a paisagem que se vê mal se abre o portão da minha casa)


(a casa cinzenta é das minhas vizinhas "Cucas", duas irmãs solteiras com 70 e poucos anos, analfabeta uma, e a outra foi hà poucos anos para escola pela primeira vez)


(paisagens desde a varanda de minha casa)

(a última casinha, com telhado em bico é a casa onde nasci, em Santa Luzia, e onde vivi até aos 2 anos)

(depois os meus pais construiram esta onde nos podemos, práticamente, isolar)
Estou aqui, de férias, há 10 dias e em determinados momentos sinto-me a afundar nesta energia. Estou constantemente a tentar tratar a energia deste local, a tratar a minha própria energia e a pedir ajuda a Jesus.
Ele tem-me vindo a mostrar como foi fundamental para o meu percurso ter nascido aqui. Como as minhas opções contrastam com o que os valores que aqui predominam. O que tornou especialmente dificil assumir as minhas opções. Tive que ter a coragem de assumir apesar de me sentir criticada e julgada por toda a gente.
E se cheguei ao ponto de ter coragem para assumir, foi porque cheguei a um limite. O limite do confronto energético. Nada daquilo em que acreditava, tinha a haver com Rebordosa.
É claro que há excepções. Muitas vezes vezes me sinto surpreendida com o percurso de amigos que nasceram a poucos metros de mim. Em Santa Luzia. Um lugar muito pequeno. E de onde são naturais alguns bons amigos que fizeram um percurso extraordinário, com repercussão a nível nacional.
E tenho aqui grandes amigos que são dos mais vanguardistas que conheço. Que foram estudar e viver para o Porto e resolveram voltar e inovar. De uma forma que nem nas grandes cidades é comum. Há aqui muitas pessoas muito empreendedoras, que progrediram incrívelmente e hoje são empresários que exportam para todo o mundo. Também é aqui que vejo as mais pessoas mais bem vestidas. E muitas, muito bonitas. Tanto homens como mulheres. Muitos parecem italianos nas forma de vestir. Por outro lado, há pessoas que vão ao café e ao banco, de chinelos de quarto. É um lugar de contrastes. E talvez seja dos sítios com mais carros topo de gama por metro quadrado. Há muitas pessoas de quem gosto muito, mas com a maioria sinto um embate. Que começa logo com a forma de falar.
Porque o mais chocante aqui é mesmo a mentalidade. Ultra conservadora. Ultra católica. Onde sempre se cultivou o pecado, a vergonha e o sacrifício. Agora estão mais abertas. A minha geração e os mais novos são muito mais abertos. Na minha infância e juventude as mulheres não iam ao café. A uns 50m de minha casa tenho 3 cafés. Porque Rebordosa também é a terra dos cafés. Há quase um por cada dez pessoas, passe o exagero. Porque os homens vão todos para o café, beber e jogar. Não fui mais de meia dúzia de vezes a cada um deles em toda a minha vida. E fui só a acompanhar amigos que precisavam de comprar tabaco. Porque entrava e ficam os homens todos a olhar. No sábado passado fui a um deles apenas pela segunda vez. Três mesas só com homens. Entrei e calaram-se. Ficaram a olhar. Para meu espanto, estava um casal ao balcão com duas garrafas de cerveja à frente. Fiquei à espera de ver que se a mulher estava a beber a cerveja para acreditar. Quando cheguei a casa perguntei à minha mãe se agora as mulheres bebiam cerveja no café. Que sim. E muito. Principalmente à hora do lanche. Ena, que grande progresso.
Há dias na padaria estava um homem a beber cerveja com um bebé ao colo. O meu avó nunca pegou em nenhum filho ao colo, porque parecia mal. Embora na minha família, quer da parte do meu pai, quer da parte da minha mãe, nunca tenha havido violência doméstica, o mesmo não se pode dizer da grande parte das famílias daqui. A minha mâe conta que quando era nova era rara a mulher que não sofria maus trataos por parte do marido. O tal café onde fui no Sábado está instalado na casa de uma senhora que tinha que fugir para casa dos vizinhos durante a madrugada para escapar às brutais tareias do marido. Várias irmãs delas foram e são vítimas de violência por parte dos maridos. A mais nova, minha amiga, e da minha idade, foi morta pelo marido a tiros de caçadeira, na preseça dos dois filhos, há uns cinco anos atrás. Ela estava a lavar a louça e marido alvejou-a nas costas. Supremacia da covardia.
Até no trânsito sinto a diferença. Os condutores são mais agressivos, temos que esperar que venha um carro que respeite a passadeira.
Em Oeiras isso não acontece. Podemos atravessar a passadeira em segurança, porque os condutores param sempre, sempre. Reparo nisso. Reparo em tudo. Porque a diferença é gigantesca.
Fui levada de um dos sítios mais feios para um dos mais bonitos. Onde a energia é tão leve como é a agua do mar que vejo todos os dias.
E quando pergunto a Jesus porque é que me custa tanto estar em Rebordosa, apesar de ter tanta gente de quem gosto, ele responde-me qjue tenho que aprender a manter o meu nível de energia no meio da densidade. Esse é que é o desafio. Não me deixar contaminar, afundar, mas manter a frequência energética.
Em Oeiras tudo te é favorável. Tudo é fácil. A paisagem, as pessoas, o trabalho. Tudo confere contigo. Rebordosa é um desafio.
E quando há dias mostrou que podemos viver na Terra como se vivessemos no Céu, mostrou-me que tenho que aprender a viver em Rebordosa como se vivesse em Oeiras. Vibrar pelo amor. Incondicional.
Ante de Jesus me ter dito isso eu já tinha percebido, mas mantinha (e mantenho) uma grande dificuldade em pôr em prática. E constei isso na véspera de Natal. Estacionei e fui a uma loja. Quando voltei tinha um carro colado ao meu, que me impedia completament de entrar, apesar ter espaço para estacionar um camião. Esperei um pouco e acabei por pedir ao menino que estava lá dentro que fosse chamar a mãe para tirar o carro porque eu estava com pressa. (Pode até parecer que estou a exagerar mas esta terra é o paraíso dos condutores mal educados, que param no meio da rua a falar com amigos com quem se cruzam e quem estiver atrás que espere o tempo que for preciso. Não há regras.) O menino foi chamar a mãe. Nunca mais voltavam, nem ele nem a mãe. Fiz uma ronda pelas lojas, á procura, mas nada. Passado 15 minutos já estava a desesperar. Achava uma falta de respeito incrível. E comecei a ferver. Mas mantinha-me atenta à minha reacção. "Olha, olha, como já ferves por uma coisa de nada" (embora para mim não seja bem assim desde que tive a notícia do acidente do meu filho e tive uns 20 minutos sem conseguir sair do estacionamento porque uma senhora tinha parado o carro a impedir a passagem, para ir às compras). Decidi que tinha que lidar de outra maneira com a minha frustração. Estava a descambar, era evidente. Ok. Vou perguntar à minha alma como é que ela reagiria e vou respeitar isso.
Escreve um bilhete à senhora e vai-te embora. Entra pela porta do passageiro, com um bocado de esforço consegues.Vou à loja dos chineses pedir um papel para escrever. E dão-me um pedaço de papel de embrulho com anjos....Tive vontade de rir...era mesmo um recado do Céu. E escrevi: " Se quer ser respeitada a senhora tem que aprender a respeitar os outros. Bom Natal."
Lá entrei com muito custo no carro, e quando estava a arrancar estava a senhora a chegar a ler o papel que lhe tinha deixado preso ao limpa pára-brisas e riu-se para mim em jeito de desculpas.
Eu não consegui sorrir. E fiquei mal por isso. Num assunto de nada, eu não consegui sorrir. Seria incapaz de sorrir sem ter vontade. E óbviamente eu não tinha conseguido ultrapassar isso. Ainda estava zangada.
E é por isso que ainda preciso tanto de Rebordosa. Que faz saltar em mim o que ainda não está trabalhado.
Quando estava a fazer a meditação para escrever este texto, a energia de Jesus estava fortíssima, tão forte que abri os olhos por duas vezes para ver se havia algo mais que estivessse a provocar um calor tão invulgarmente forte no peito. Que queimava. Mas já tinha arrastado a manta que me cobria para trás. O calor era mesmo todo da Luz dele. Que sinto que está sempre comigo, Rebordosa ou Oeiras.