E voltou a falar. Na alma. Na fidelidade à alma. E que o povo português no passado descobriu mundo e foi a maior potência mundial porque foi fiel à sua alma. Porque a alma é aventureira. A alma parte à descoberta.
E como se eu tivesse asas, levou-me por cima do rio Tejo. Exactamente a um ponto de onde se via os Jerónimos, o Padrão dos Descobrimentos, a Torre de Belém e o Bugio de Oeiras. Como se fosse um triângulo visto lá de cima. Simbolizando a partida das caravelas e das naus para a grande aventura. E a grande conquista.
E perguntou-me: Já reparaste que vives exactamente à frente do Bugio? O monumento que assinala a fusão do rio com o oceano? Que fica na linha de separação entre o conhecido e o desconhecido? E que esse tem sido o teu percurso? Largar o conhecido, e aventurares-te rumo ao desconhecido? Já pensaste em quantas vezes te deixaste levar para trás no tempo, em regressão a vidas passadas, sem sabereres onde ias ter? Quantas vezes já te deixaste levar para cima, no espaço, em meditação, sem saberes onde ias parar? Quantas vezes já te deixaste levar pela vida, sem saber o que ela te ia trazer?
Fiquei em silêncio e a chorar. Nunca tinha visto assim. Nunca tinha visto por esta perspectiva. Nunca tinha pensado nessa coragem. Foi uma emoção quase demasiado grande...E o Bugio...de facto, é verdade: Saindo de minha casa, e indo para a praia, o percurso é em linha recta, e chegando à praia fico exactamente em frente ao Bugio. Exactamente. E também nunca tinha pensado nisso.
As coisas vistas lá de cima têm uma perpectiva completamente diferente. E podem ter um sentido em que nunca pensamos. Nunca.
E lembrei-me que ainda há dias, quando eu Lhe estava a dizer pela enésima vez, que O escolhia, para onde quer que isso me levasse, Ele respondeu, só: Solta as amarras...
E no Domingo, na meditação, disse-me para fotografar o Bugio, o Mosteiros dos Jerónimos, o Padrão dos Descobrimentos e a Torre de Belém. Para fotografar tudo no memso dia. Que havia uma energia comum. E é curioso que tanto os Jerónimos como a Torre de Belém já foram classificados pela Unesco Património da Humanidade, há muitos anos. Tal como agora foi o Fado.
Nesse dia fui pesquisar na Wikipédia e "Portugal é um dos países com maior número de monumentos no mundo classificados como Património Mundial, o que demonstra a amplitude da sua atuação mundial. Os monumentos portugueses podem ser encontrados por todo o mundo, o que mostra bem a dimensão e influência da presença portuguesa a uma escala global. Do Brasil à Tanzânia, do Paraguai ao Sri Lanka, os portugueses deixaram marcas culturais e de enorme valor, classificadas oficialmente pela UNESCO em três continentes diferentes."
E no dia seguinte lá fui eu fotografar o Bugio e os monumentos de Belém. Nem me apetecia muito sair de casa, mas a incumbência tinha sido bem explícita.
Belém...não foi onde Ele nasceu?!...
Apesar de já ter tirado muitas fotografia ao Bugio, tive que tirar outra. Porque teria que fotografar todos os monumentos no mesmo dia. O Bugio foi o primeiro, logo ao sair de casa. E foi quando pensei: Basta sair de casa para ver o Bugio...realmente...nunca tinha pensado nisso...
Reparei que tinha pouca bateria na máquina fotográfica. Seria melhor voltar a casa e pôr a carregar? Que não. Ele disse-me: Tens a necessária. É para não te perderes a fotografar tudo e mais alguma coisa...
Apre...uma espécie de reprimenda...
Ao sair do comboio, o primeiro monumento era os Jerónimos. Só tirei duas fotos, com medo de gastar a bateria.
Ao passar no CCB ia entrar para ver a exposição do Vic Muniz mas desisti com medo de me perder a fotografar e ficar sem a bendita bateria.
Passei em frente ao Padrão dos Descobrimentos e decidi que ia fotografar só na volta, só depois de fotografar a Torre de Belém, com a bateria que restasse, porque já tinha intuído que o mais importante era fotografar a Torre.
No caminho entre o Padrão e a Torre (nunca tinha feito este percurso) li esta frase pintada no chão: "Ninguém nunca pensou no que há para além do rio da minha aldeia."
Não fazia ideia que estava lá este excerto d'O Guardador de Rebanhos de Alberto Caeiro/Fernando Pessoa. Aliás estavam lá pintadas várias outras frases da mesma obra.
Fiquei quase em choque. Como é que estava ali concentrado, naquele lugar, quase tudo de que Jesus me tem vindo a falar? Quase não conseguia andar...só me apetecia sentar no chão e ficar ali...ia caminhando em direcção à Torre, e chorava de emoção...e ao chegar lá, no iPod ligado desde que saí de casa, começou a dar o fado "Chuva" da Mariza. O único fado que tenho no meu iPod! (desde que fiz aquele vídeo da minha Avó Bertina)...como era possível começar a dar precisamente quando eu estava lá a chegar?
E só mais tarde me dei conta que a versão do "Chuva" que eu tenho é do concerto que a Mariza deu Belém...
Sinto Jesus à minha espera...a comoção é tão grande que caminho a custo...
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Quando estou já próxima da Torre avisto uma rapariga que achei logo muito parecida comigo própria, embora muito mais nova. E estava eu a pensar que até gostava de a fotografar quando, para meu espanto, ela se aproxima de mim e me pede para eu a fotografar com a máquina dela. Outro espanto!...a máquina era igualzinha à minha Pink!Cor de rosa e tudo! Conto-lhe isso e ela pergunta-me de onde é que eu sou. Como estavamos a falar em ingês ela deve ter pensado que eu também era turista. Ela é norte americana mas está a estudar em Madrid. Peço-lhe para me deixar tirar-lhe uma foto, com a minha máquina e ela tirou-me também uma a mim.
E eu tinha acabado de ler pintado no chão este verso, também do Guardador de Rebanhos de Alberto Caeiro:
"Pelo Tejo vai-se para o mundo.
Para além do Tejo há a América
E a fortuna daqueles que a encontram."
Fotografo a Torre. Reparo então que dali se vê o Bugio. Que se vê-se o triângulo que via quando estava a meditar, lá em cima...não fazia ideia que se via também cá em baixo...
Acaba-se a bateria. Digo lá para cima: Lindo serviço! Então a bateria não era a necessária?! Mas afinal não chegou para tirar ao Padrão dos Descobrimentos...E Ele responde-me com um sorriso: "Então o Padrão não ficou ao fundo na foto que tiraste à frase no chão?"
Uauuuuuu...fiquei sem plavras...é mesmo...nem me tinha apercebido...não tinha reparado, conscientemente...
Fico sentada junto à Torre a olhar a água do Tejo, a água da foz, e lembro-me de uma frase que um amigo me disse há muitos anos: "Vives no meio de uma energia que te é hostil. Se estivesses na tua energia eras um golfinho..."
Conheci esse amigo há uns 11 ou 12 anos. Eu tinha enviado uma sms a uma amiga, que por sua vez estava ao lado de um amigo dela. Esse amigo disse-lhe que queria conhecer a pessoa que tinha acabado de lhe enviar a sms.
Fomos aprensentados pouco tempo depois e tornou-se numa das pessoas mais importantes da minha vida. Durante anos ensinou-me muito do que eu sei hoje. Lançava-me desafios constantes sobre espiritualidade. Treinou-me intensivamente durante esses anos. Exigente, não me poupava. Falavamos regularmente, às vezes, várias vezes por semana, e muitas vezes, horas seguidas. Chegava a acontecer eu estar a estudar o que ele tinha indicado e pensar que precisava de lhe perguntar uma coisa e nesse exacto minuto ele ligava-me: Diz lá. Digo o quê, perguntava eu. O que estavas mesmo agora a pensar em perguntar-me, respondia-me ele. Nas primeiras vezes em que isto aconteceu eu até estremecia.
Depois, há uns cinco anos atrás, chegou um ponto em que ele disse: Agora tens que voar sozinha. Eu vou afastar-me.
Quando estava sentada ao lado da Torre e a olhar a água continuei a lembrar-me muito dele e percebi que estava na hora de lhe ligar. Liguei. Atendeu e mostrou tanto espanto na voz que me deixou a mim espantada...porque ele não é pessoa de se espantar...ficou ainda mais espantado quando soube que eu estava a viver em Lisboa. Disse-me que a última vez que tinhamos falado foi logo a seguir a eu ter regressado com o meu filho da Alemanha, depois dos tratamentos terem acabado. Contei que vim para Lisboa um mês depois. E ele dizia: Olha estou um bocado calado porque não sei o que dizer...é que estou espantado contigo e com a volta que a tua vida deu...
Foi uma emoção enorme falar neste dia com este amigo tão importante para mim.
Espero que se ele um dia souber que escrevi aqui sobre ele me perdoe (de certeza que sim) porque ele é a pessoa mais avessa à exposição, que conheço. Uma das maiores provas que me deu da sua amizade foi estar presente num jantar surpresa que a Erica organizou pelo meu aniversário. Ela sabia que eu tinha esse amigo que era muito importante para mim e ninguém conhecia, e acbou por descobrir o contacto dele no meu telefone. Quando o vi nem queria acreditar...ele que não participa em nenhum evento social...de espécie nenhuma...E ali, ainda por cima não conhecia ninguém...Foi uma grande prenda que nunca esqueci.
Levantei-me e iniciei o caminho de volta. Vinha na direcção da estação de comboio quando vi o carro da Lena e do Rui estacionado. Percebo que eles estão no barco e ligo-lhes. Encontro-me com eles que me dão boleia para casa. Mais uma constatação: não é por acaso que eles têm o barco naquela marina, junto ao Padrão.
Antes do regresso, uma ultima tenativa para ir ver a exposição do Vic...Mas entro na loja do CCB e perco-me com os livros do Pessoa...irremediávelmente perdida...ou achada...